As narrativas criadas pelos usuários a partir dos seus percursos em ambientes hipertextuais podem se organizar linearmente em contextos estruturados para a realização de tarefas ou para o encadeamento de idéias. Essa linearidade pode ou não acompanhar a estrutura de informações (ou de uma base de dados) em contextos web.

Uma narrativa linear online supõe o encadeamento sequencial de uma tela depois de outra, ou de uma informação depois de outra, durante o deslocamento da/ousuária/o, ou durante um período de tempo. Esse começa a navegação em um ponto A, evolui em pontos intermediários e chega a um ponto B mais ou menos antecipado.

Site com narrativa linear

Sites como The travel episodes (imagem) contam diversas histórias de viagem linearmente, mas numa mesma página incluem vídeos de tela cheia, textos, carrossels de fotos, fotos de tela cheia, informações que compõem episódios ricos de informações tanto para o leitor atento quando para o visitante casual que passeia nas páginas e se atém a uma ou outra informação.

Já uma narrativa não-linear supõe múltiplos encadeamentos potenciais entre A a B, maior número de escolhas para criar caminhos e atalhos – muitas vezes o ponto B não é conhecido quando o usuário começa seu percurso. E, mesmo que pré-definido, pode nem vir a ser descoberto.

Narrativas lineares e não-lineares podem ser previstas de acordo com as ações dos usuários em ambientes digitais ou de acordo com as necessidades intrínsecas do conteúdo publicado ou de dados disponíveis para acesso em bases de dados. Enquanto a narrativa não-linear está mais associada à maior quantidade de nós para a ação do usuário, a narrativa linear sinaliza com mais precisão onde o usuário está indo e onde vai (ou pode) chegar.

Narrativa com estrutura linear: Compra online

O processo de compra online de um produto, por exemplo, é um caso de construção de narrativa hipertextual com estrutura linear. O usuário prevê e consolida uma sucessão de processos a partir das etapas necessárias para finalizar a compra que estão previstas na estrutura de ações. A trajetória de compra de um produto é uma dentre diversas trajetórias possíveis, resultado de uma escolha em meio à narrativa da interface que a conduz.

“Você quer comprar este produto e esta quantidade?” (Sim); “Você quer que o produto seja enviado para que endereço?” (Confirma o endereço); “O envio para este endereço vai custar-lhe X. Você confirma o modos de envio e o valor?” (Sim); “Agora confirme o modo de pagamento” (Confirmado); “Finalize a compra” (Aparece na tela o recibo de confirmação).

A narrativa do processo é construída de forma que o consumidor saiba que pode mudar de ideia a cada etapa, que pode confiar seus dados comerciais ao vendedor, que pode mudar a quantidade do produto, o endereço, cancelar o processo a qualquer hora. O documento emitido no final é uma garantia do acordo entre as partes. E o fornecedor, pelas informações preenchidas, sabe o que deve fazer para atender as demandas do consumidor.

A construção dos processos de compra e venda online prevê a relação comercial a partir da combinação das escolhas do consumidor com as convenções e práticas do comércio eletrônico, que encadeia de forma compreensível um conjunto de ações pré-determinadas.

A compra flui de modo simplificado, evidenciando o atendimento dos interesses de quem compra e de quem vende. Cria histórias simples, pré-escritas, com personagens, signos, significados e significantes definidos.

Narrativa linear a partir de estrutura linear

Mas nem sempre as ações dos usuários precisam estar estruturadas sequencialmente para que criem narrativas lineares. Uma arquitetura da informação hierarquizada ou matricial também pode levar os usuários a construir narrativas lineares.

O site (subsite do site do Museu de Arte de Indianápolis) Cycles: African life through art, por exemplo, tem uma estrutura hierárquica com quatro seções, que descrevem o ciclo da vida dos seres humanos segundo as concepções de diversos povos africanos: Juventude, Idade adulta, Liderança (a sabedoria dos anciãos) e Ancestrais (os antepassados que agem sobre o presente).

Narrativa linear a partir de estrutura linear
Estrutura narrativa linear

Embora haja uma linearidade temporal intrínseca ao conteúdo, que acompanha o ciclo da vida descrito, as barras de navegação da interface permitem que as seções sejam percorridas linearmente ou não. O sequenciamento linear é opcional, de acordo com o interesse de cada usuário, uma escolha possível realizada em um ambiente de narração.

Bastante simples, esse modelo informacional ilustra como a narrativa e o tipo de arquitetura da informação podem se dissociar: uma arquitetura hierárquica, que na maioria dos casos é usada não linearmente, pode levar os usuários à construção de uma narrativa linear (pela concepção do conteúdo ou pela navegação, se esta acompanha o encadeamento temporal do conteúdo).

Assim, a narrativa dos usuários ao navegar pelas páginas de um site pode ou não acompanhar a estruturação do conteúdo. Se está relacionada a uma ação objetiva como a compra de um produto, coincide com a da arquitetura da informação para a realização da tarefa. Se está relacionada ao modo de estruturação do conteúdo, pode ou não ficar dependente da arquitetura da informação.

Narrativa linear
No site Space Craft for All – spacecraftforall.com, criado para entrar em contato com a nave espacial ISEE-3 (lançada em 1978), acionar seus motores e colocá-la em órbita próxima à terra – encontra-se a história da nave e o status atual do projeto. Com recursos de animação e 3D, a história ano a ano, constituída por um entrelaçamento fragmentado dados temporais e científicos, mantém em perspectiva o seu encadeamento linear, ano a ano, constituindo uma linha do tempo

Por isto, no projeto de sites, pode-se pensar modelos de narrativas pelos usuários que funcionem tanto conjuntamente como em paralelo em relação à arquitetura da informação. O conteúdo disponível, bem como suas qualidades editoriais e semânticas, orientam os projetistas a construir ambientes em que a concepção editorial e a arquitetura se complementam e criam as condições para que os usuários construam discursos adequados aos seus objetivos e, em consequência, aos objetivos do veículo em que estão publicados.

(Texto publicado em 23.8.2009. Atualizado em 30.8.2014)

Referências

Beyond myth and metaphor* – The case of narrative in digital media, de Marie-Laure Ryan (Game Studies, acesso em 9.8.2009). Marie-Laure Ryan descreve narrativa como um signo com um significante (o discurso) e um significado (a estória, a imagem mental, a representação semântica). O significante pode ter diversas manifestações semióticas, como a narração verbal de uma história, ou os gestos e as palavras de um diálogo travado entre atores em uma peça teatral, por exemplo. Já o significado é o que define a narratividade em si, o universo de significados que independe do suporte em que a narrativa se desenvolve

Blueprint+ (Service Design Visual), de Jakub Linowski (Wireframes, acesso em 21.4.2010)