Profissionais que trabalham com mídias digitais não têm e não podem ter autoridade total sobre a conceituação e a realização dos produtos. Na maioria dos casos, os clientes, que conhecem estratégica e operacionalmente seu negócio, compartilham as decisões. Mas é o usuário que dá a palavra final sobre a experiência de uso. A criação de produtos é na maioria das vezes um processo coletivo e quanto maior o número de pessoas envolvidas, mais atenção e capacidade de negociação são necessárias para resultados satisfatórios.

Além dos gestores de produto, da equipe de colaboradores do cliente e dos usuários finais, projetos de mídias digitais envolvem profissionais técnicos, desenvolvedores e fornecedores de sistemas que somam conhecimentos complementares para constituir ambientes de atuação multidisciplinares.

Essas coletividades podem criar boas soluções e estabelecer consensos harmônicos, mas, na medida em que são influenciadas pelo clima geral e pelas culturas locais, pelo estilo gerencial e pelas metodologias de cada grupo, também correm o risco de chegar a soluções que todos aceitam porque a maioria aceitou e podem vir a comprometer o resultado.

O processo de criação coletivo de produtos digitais é complexo. Demanda preparo técnico dos integrantes, que precisam enfrentar argumentos dos clientes baseados em opiniões, intuições e impressões baseadas em seu uso pessoal ou de pessoas conhecidas. E demanda preparo dos integrantes da área ou empresa-cliente, que precisam articular de maneira clara as características e necessidades do negócio, o que muitas vezes não acontece.

Além da argumentação técnica, os profissionais contratados precisam negociar seus pontos de vista em meio à maior força política dos integrantes da área ou empresa contratante, e nem sempre conseguem criar condições favoráveis às melhores decisões.

De qualquer forma, é importante manter em perspectiva que as decisões devem ser, na maioria dos casos, resultado da negociação entre as partes. A equipe cliente, que domina o fazer e pensar do seu negócio e a equipe contratada, que domina a metodologia de conceituação e realização do projeto, precisam somar conhecimentos e chegar a pontos comum.

Mas em impasses, situações em que as duas partes discordam sobre uma solução, como garantir que as decisões sejam representativas de diferentes pontos de vista e ao mesmo tempo se direcionem efetivamente à realização dos objetivos do produto?

É importante negociar, negociar e negociar todo tempo, mas algumas práticas gerenciais no início do projeto ajudam a lidar com o processo criativo em equipes heterogêneas, como:

Criar uma cultura interna que estimule a inovação e o pensar diferente, para investigar recursos, possibilidades não conhecidas e/ou não usadas antes.

Frederik G. Pferdt, chief Innovation Evangelist do Google, passa as horas entre suas aulas em Stanford, onde integra o DSchool (estúdio de design da universidade) e uma garagem-oficina deliberadamente inacabada dentro da sede do Google. Na parede contígua da garagem, fica a academia onde os funcionários têm aula de ioga, zumba, crossfit e reeducação postural. O programa de exercícios se ajusta aos pedidos dos empregados. A oficina recebe visitas de quatro ou cinco equipes por semana. O lugar tem mesas bagunçadas e materiais de todo tipo – de pedaços de carros até impressoras de grande formato e em 3D, passando por uma zona têxtil com tábuas e máquinas de costura. “Os funcionários podem vir aqui quando quiserem. No Google, podem usar 20% de seu tempo nos projetos que decidirem. Assim é como nasceu o Gmail, por exemplo, e muitos vêm antes do Halloween ou antes do Burning Man [um festival no deserto] para fazer seus disfarces. Eu adoro, pois serve para que se entrosem, para que fortaleçam o espírito de equipe”, revela. (1)

Nivelar o conhecimento técnico dos colaboradores, através de cursos, palestras, workshops, para prover vocabulário e ferramental para a equipe não especializada. É importante que esses encontros apresentem não só os principais conceitos e termos utilizados durante o projeto, como também os processos da realização conceitual e tecnológica. Além de prover informações, permitem que os integrantes se conheçam e se apresentem.

Pode-se nesse momento combinar os canais de comunicação para que todos se sintam parte da realização. Um blog ou grupo de Whatsapp pode funcionar para o registro das discussões e trocas de idéias, facilitando sua recuperação e o acesso de todos ao histórico do projeto.

Outro processo a combinar nesse momento são os processos de decisão sobre os produtos de cada etapa, se homologados pela coletividade ou por representantes das duas partes (os donos do produto). Esta responsabilidade sobre as decisões estruturais ajuda a acelerar o processo e a estabelecer o ponto de equilíbrio entre “facções” e tendências de segmentos que se estabelecem durante o processo de trabalho.

Diferenciar a comunicação com os gestores da empresa/área-cliente e a equipe de desenvolvimento. Os primeiros precisam de mais resultados consolidados e de informações gerenciais (linha do tempo, orçamento, contratos, produtos das etapas ou sprints). Os segundos, de mais informações para realizar tarefas relacionadas ao produto.

Verificar se é necessário adaptar as metodologias de gestão de projetos das organizações envolvidas, para chegar a um denominador comum. Se a agência digital pratica um modelo ágil e o cliente um modelo em cascata, é importante criar uma dinâmica de reuniões, relatórios e produtos que concilie as duas culturas.

Caso ambas as partes realizem métodos em cascata, a realização do WBS (Work Breakdown Structure) funciona como importante veículo de comunicação e acompanhamento das atividades a realizar.

Examinar os objetivos do projeto sob diversos pontos de vista. Dependendo da sua área de atuação, cada integrante da equipe vê o website e seus objetivos de maneira diferente. É necessário criar consenso sobre a visão do produto que se quer realizar.

Descrever os principais públicos-alvo do produto-final e priorizar algumas categorias, para balizar o desenvolvimento da arquitetura da informação, do layout e do desenvolvimento tecnológico.

Durante a realização e do desenvolvimento, os acordos ficam menos subjetivos, já que se estabelecem em torno de produtos tangíveis. De qualquer forma, é importante nestas etapas,

Conduzir a arquitetura da informação e a criação do layout, de modo que a concepção geral seja feita coletivamente e a criação e o detalhamento dos produtos sejam feitos por profissionais especializados. Ou seja, no primeiro caso, pode-se aplicar as práticas mais convenientes ao ambiente, como card-sorting, ou protótipo de papel nos momentos iniciais. Já o teste de um ou mais protótipos funcionais com a estrutura ajuda a mostrar a todos como as demandas e percepções dos principais públicos-alvo serão atendidas.

Se possível, envolver os integrantes da equipe diretamente com os testes, para que todos compreendam em profundidade a diferença entre o processo criativo teórico e sua relação direta com o produto final e seu uso pelo público.

O projeto de layout pode ser realizado coletivamente sob um ponto de vista conceitual, para gerar um ou mais rascunhos com os principais elementos. Já normalmente a definição de cores, tipologias, malha (grid), composição e posicionamento de elementos específicos é feita por um ou mais designers.

Da mesma forma, ao longo do projeto, os arquivos gerados durante as reuniões devem ser aperfeiçoados pela agência ou núcleo responsável pelo desenvolvimento, de modo que todos os produtos do projeto tenham formato, identidade visual e conceitual compatíveis.

Apoiar a finalização de cada macro-processo do projeto em versões cada vez mais acabadas do produto final, para que todos o vejam tomando forma. Testar ao máximo as versões e protótipos, para legitimar as decisões tomadas (ou as não tomadas…), para reafirmar a confiança da equipe.

Atualizar a equipe sobre o desenvolvimento do produto, com a publicação de versões delta, gama, beta etc.. Versões usáveis, bem como testes de usabilidade, permitem que a equipe participe desta etapa, provendo retorno e massa crítica.

Marcar bem o início e o final das etapas, formalizando as decisões tomadas para que sejam conhecidas e referendadas pelo grupo. A formalização é feita pelo canal de comunicação mais utilizado, por relatório formal, ou sistema de gestão de projetos.

A ritualização é mais necessária neste caso do que em projetos com pequenas equipes, pois a passagem de uma etapa para outra nem sempre fica clara para todo mundo especialmente quando alguns integrantes não estão presentes em todas as reuniões e em todos os processos de criação.

Por isto, é importante também, no final do projeto, fazer um balanço geral e agradecer a todos pela colaboração. E se possível, comemorar o resultado.

Se a agência digital não conseguir acompanhar e aperfeiçoar o projeto ao longo do tempo, é importante preparar os integrantes da equipe para a atualização e para o aperfeiçoamento cotidiano do veículo.

Em linhas gerais, as etapas da realização do projeto seguem uma ordem que não depende muito do tamanho da equipe. No entanto esta pode sim levar à alteração do sequenciamento das atividades e das metodologias de realização dos produtos.

No caso de um grupo não se sentir confortável descrevendo personas para conhecer melhor o público-alvo, pode-se adaptar a descrição de perfis pessoais para a descrição de perfis sociais, mais genéricos, tipificados. A descrição de perfis genéricos pode trazer implícita a descrição detalhada de pessoas.

Por exemplo, se falamos de um público de decoradores (de casas), podemos pensar em pessoas com gosto estético apurado, com sensibilidade para experimentações de diversas combinações de elementos (móveis, texturas, cores, acessórios). A descrição genérica das características deste público pode acabar apontando para uma descrição mais indivualizada de algumas personas sem que isto seja formalizado na proposta.

O projeto de criação coletivo de projetos web reflete de maneira reduzida e acelerada a recriação e o aperfeiçoamento contínuo das plataformas web, que se mantêm em transformação a partir da interlocução e da negociação com o público. Seu resultado é parte de um contexto também de criação coletiva que fica sempre permeável à demandas externas, mas ao mesmo tempo afirma seus objetivos e suas particularidades.

Projeto e produto se intercalam mesmo depois do lançamento do canal, e se o coletivo se impõe durante o projeto, acaba transparecendo durante toda a vida útil do produto. Mesmo que não aconteça, é uma meta a perseguir.

(Publicado em 11.10.2009. Atualizado em 2.11.2017)

1) 

Referências

Um dia na garagem do Google, Rosa Jiménez Cano (El País Brasil, acesso em 11.12.2017)

Groupthink, Abilene and risky shift, Mike Clayton (Shift Happens!, acesso em 19.8.2010)

Ferramentas online de gestão de projetos

10 Free project management applications, Laura Spencer (Freelance Folder, acesso em 19.3.2010)

Ace Project (gratuito para até 5 projetos e 5 usuários, acesso em 14.2.2010)

Comind Work (ferramentas de projeto em grupo, como blog e wiki, gratuito no plano básico, acesso em 14.2.2010)
BaseCamp (acesso em 14.2.2010)

ActiveCollab (acesso em 14.2.2010)

Feng Office (acesso em 14.2.2010)

Central Desktop (acesso em 14.2.2010)