O sociólogo italiano Domenico de Masi defende que, embora possa aparecer espontaneamente em diferentes instâncias corporativas, a criatividade funcional pode ser estruturada em diferentes etapas, que formalizam elos sequenciados desde as ideias iniciais até os produtos finalizados.

Para efeitos acadêmicos, o autor sugere a modulação dos processos entre a criação e a produção, em 7 fases genéricas. No contexto deste site, o exame destas relações se relaciona diretamente aos processos de criação e gestão de mídias online.

1) Pesquisa pura

É realizada em ambientes como laboratórios universitários, ateliês de estilistas, estúdios de arquitetos, institutos de pesquisas, centros experimentais de cinematografia, ambientes com recursos materiais necessários à criação e à tolerância ao erro. Os integrantes mantêm relacionamentos com outros grupos de atividades afins e participam de eventos relacionados a estas atividades. Recebem estímulos intelectuais, revistas, livros e têm disponibilidade de tempo para reflexão. Inclui a criação e a seleção de ideias com potencial para desenvolvimento prático.

Frederik G. Pferdt, chief Innovation Evangelist do Google, passa suas horas de trabalho entre suas aulas em Stanford, onde integra o DSchool (estúdio de design da universidade) e uma garagem-oficina deliberadamente inacabada na sede do Google. Junto à garagem, fica a academia de exercícios, pedida pelos funcionários, onde se faz ioga, zumba, crossfit e reeducação postural. A oficina recebe visitas de quatro ou cinco equipes por semana. Tem mesas desarrumadas e todo tipo de material – de pedaços de carros a impressoras de grande formato e em 3D, passando por uma zona têxtil com tábuas e máquinas de costura. “Os funcionários podem vir quando quiserem. No Google, podem usar 20% de seu tempo nos projetos que decidirem. Assim nasceu o Gmail, por exemplo, e muitos vêm antes do Halloween ou do Burning Man [festival no deserto] para fazer suas fantasias. Eu adoro, serve para que se entrosem e fortaleça o espírito de equipe”, revela. (1)

2) Pesquisa aplicada

É realizada em ambientes como laboratórios e universidades, consórcios, parques tecnológicos, grupos públicos ou privados. Inclui a avaliação de possíveis criações de produtos para ideias, a verificação das suas possibilidades de concretização e dos seus potenciais de exploração.

Pode-se desenvolver pesquisas aplicadas por meio de hackathons, lugares onde as pessoas chegam com idéias e trabalham intensamente para desenvolvê-las, na maioria das vezes durante um período pré-determinado. Podem ser feitos também hackathons reversos, em que clientes ou usuários de do público-alvo, conversam com uma equipe de projeto sobre seus problemas.

3) Tomada de decisão

É realizada nas áreas gerenciais de organizações públicas e privadas. Inclui a avaliação da viabilidade comercial e da adequação dos potenciais produtos às políticas e diretrizes empresariais. Inclui também a aquisição de patentes, pesquisas de mercado, modelagem de processos, contratação de especialistas.

4) Desenvolvimento

É realizado em escritórios dedicados, ambientes de perfil mais técnico, gerencial e com equipe mais sensível aos estímulos de carreira. Inclui a avaliação dos recursos financeiros necessários, a transferência e a adaptação das ideias, os estudos de viabilidade da produção (conversas com diversos departamentos, desde o marketing às áreas de produção), preparo das equipes internas para assimilar o novo produto.

5) Produção

É realizada em oficinas, fábricas ou escritórios padronizados. Com divisão clara entre trabalho e poder, tem planejamento rígido de processos, orçamento financeiro pré-estabelecido, controle de qualidade e métodos de produção, maior potencialidade de mecanização e automação, maior potencialidade de alienação dos funcionários.

6) Colonização e uso

Inclui as operações de marketing e publicidade, prospecção, vendas e relações com o mercado.

7) Uso e consumo dos bens produzidos

Inclui as a personalização dos produtos de acordo com as preferências de cada cliente ou grupo de clientes, a interlocução entre produtor e cliente para avaliação do grau de satisfação. Inclui também a verificação, pela avaliação, das possibilidades de aperfeiçoar o produto.

As etapas sucessivas formalizam gradualmente a relação entre a conceituação e o resultado final: estabelecem pontos de referência para a aplicação de controle de qualidade, reforçando as garantias de que este alcançará seus objetivos.

Os processo criativos reais muitas vezes acompanham algumas destas etapas e excluem outras, ou as desmembram em outras partes, mais específicas e relacionadas às características de cada tipo de produto.

Embora sob o risco de criar uma analogia redutora, no caso do projeto de um canal online podemos pensar as etapas do processo de criação como a passagem do processo abstrato de formulação dos objetivos e conceituação até o lançamento do produto publicado na internet.

Os processos de criação de produtos online diferem dos descritos acima em relação ao grau de risco inicial, que no caso da pesquisa pura é muito mais alto, sendo que esta na maioria dos casos não chega efetivamente à etapa de produção de produtos.

Na medida em que na maioria das vezes os produtos são aperfeiçoados em tempo real, com o produto já lançado, os resultados das etapas 1, 2 e 3 podem ser diluídos nas etapas de pesquisas e testes já direcionados à realização do produto final. E na verdade os processos de conhecimento implícitos nestas etapas permanecem ativos durante toda a vida útil do produto.

(Atualizado em 21.12.2017)

Referências

 1) Um dia na garagem do Google, Rosa Jiménez Cano (El País Brasil, acesso em 11.12.2017)

What Trinity Mirror can teach the New York Times about digital: Experiment quickly and often, Mathew Ingram (Giga Om, acesso em 6.8.2014)

Creative minds ‘mimic schizophrenia’, Michelle Roberts (BBC News, acesso em 28.5.2010)

How to motivate creative people (including yourself) – e-book, PDF, 58p., Mark McGuinness (Wishfulthinking, acesso em 14.3.2010)

Livro: Criatividade e grupos criativos, Volume 2 – Fantasia e Concretude, de Domenico De Masi. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2002. P. 110 a 116.

Livro: O conhecimento em rede, como implantar projetos de inteligência coletiva, de Marcos Cavalcanti e Carlos Nepomuceno, sobre a implementação de projetos de inteligência coletiva em organizações. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2006