Há diversos modos de abordagem para o conhecimento do público de mídias digitais, a aplicar como parte de programas estruturados, de acordo com os objetivos de cada projeto. Numa visão geral, esses modos incluem observações, entrevistas e atividades. As entrevistas são pesquisas com viés mais qualitativo, em que a intervenção do pesquisador fica visível e há interlocução direta com os entrevistados, embora sem influenciar suas ações.

Podem ser realizadas diversos tipos de conversas para o conhecimento de processos sobre um produto, para elaborar personas, para a escolha de soluções de design, ou para realizar testes de usabilidade simplificados.

Há também diferentes tipos de usuários. Se conhecem ou não o produto em questão, pode-se avaliar as diferenças nos padrões de uso de cada tipo. Os que conhecem o produto retornam impressões e objetivos pessoais, os que não o conhecem ou não o usam, dão retorno sobre as barreiras de uso, caso se procure estender o alcance do produto.

Pode-se encontrar usuários potenciais a partir de pessoas conhecidas, colaboradores de uma organização, familiares, amigos em redes sociais – e essas pessoas podem indicar outros conhecidos. Em casos de relacionamento comerciais formais com os entrevistados, considera-se um pequeno pagamento pelo tempo e pelas informações fornecidas.

As conversas podem gerar resultados qualitativos, embora seja possível também a partir delas obter resultados quantitativos. Dados qualitativos são gerados a partir de perguntas com respostas abertas, a partir das quais os entrevistados dão opiniões, expressam preferências, demonstram atitudes (com respostas não muito longas). Em pesquisas qualitativas com pequeno número de pessoas, é preciso tomar cuidados especiais para que sejam representativos do público-alvo. Caso se esteja avaliando um aplicativo móvel de amplo uso, os usuários devem ser balanceados entre usuários de Android e iOs, considerando também fatores demográficos como gênero e idade.

Quando se faz uma pergunta cujo resultado só pode ser “sim” ou “não”, gera-se dados quantitativos, que permitem cruzamentos de dados entre os interlocutores. Dados quantitativos podem ser gerados também quando se pede para o usuário avaliar um produto numa escala de um a cinco, por exemplo, sendo cinco a melhor avaliação.

Perguntas como “porque você faz essa opção?”, ou “cite aspectos importantes para este produto” geram respostas de cunho qualitativo. Nesse caso, a conversa produz pensamentos mais organizados, que podem ser transformados mais facilmente em requisitos (e não soluções!). O cliente eventualmente pode tentar conduzir a conversa para uma solução que tenha em mente, o que pode levar a equívocos no produto, que mesmo quem sugeriu não usaria.

As conversas funcionam bem para a coleta de informações sobre os usuários, suas ações, e normalmente permitem análises rápidas e eficientes, especialmente se há um problema ou vários problemas específicos a resolver. Nesse caso, parte-se de um problema identificado, seleciona-se usuários afetados pelo problema e parte-se para uma conversa especialmente direcionada para avaliar possíveis soluções (“como você lida com este problema hoje”?, “a solução desse produto gera valor para seu uso?”, “que alternativas você vê para sua solução?”).

No entanto, em alguns casos as informações coletadas podem se mostrar superficiais, sem precisão, eventualmente exigindo pesquisas mais aprofundadas para se chegar a resultados mais conclusivos.

Por exemplo, se o resultado de uma pesquisa mostra que uma ação é realizada de uma maneira por homens e de outra maneira por mulheres, pode ser necessário realizar uma entrevista ou um grupo focal para entender porque isto ocorre, se é necessário prover duas opções de ações, em vez de uma. Pode-se também optar por fazer uma observação direta dos usuários em seu local de uso. As conversas podem ser complementadas por outros tipos de pesquisas.

As conversas podem ter também a desvantagem de o entrevistador demonstrar alguma tendência sobre os resultados que espera, e acabar influenciando os entrevistados.

A participação nas pesquisas deve ser sempre opcional. Caso os usuários pertençam a um grupo difícil de escalar, como médicos, por exemplo, estudantes de medicina podem ajudar a prover retorno. É melhor realizar conversas parcialmente satisfatórias do que não conversar com ninguém.

Durante a entrevista, o pesquisador se atém ao que os interlocutores falam, embora o que falem nem sempre corresponda ao que fazem. Fica atento à sua maneira de falar (sinais corporais, olhares, atos falhos, vocabulário) e às condições contextuais das respostas (se está calor, os entrevistados podem ficar mais predispostos a comprar um ar condicionado, se for hora do almoço podem ficar mais receptivos a comprar comestíveis, mesmo que a interface de compra seja difícil de usar).

Para evitar inconsistências, o pesquisador se mantém neutro em relação às perguntas e assume uma postura receptiva e discreta, para não influenciar o ambiente ou as pessoas observadas/entrevistadas. Uma mente aberta a novas ideias, sem julgamentos pré-estabelecidos, permite a percepção de ganchos e caminhos para o projeto e aperfeiçoamento de produtos.

Técnicas de entrevistas

Grupos focais – A equipe de projeto se reúne com um grupo de cinco a dez pessoas representativas dos usuários do produto final. A equipe deve incluir um moderador que saiba manter viva a conversação e ao mesmo tempo se mantenha concentrado no assunto em questão. Pode incluir também uma pessoa que tome notas das principais observações e/ou um especialista de mídia que grave um vídeo ou um áudio da sessão. Normalmente as reuniões são realizadas em ambiente controlado, em uma sala privativa, adequada à troca de opiniões e impressões.

Grupos focais permitem a coleta de informações quantitativas e qualitativas. As qualitativas consistem do conjunto de anotações feitas durante as conversas. Os dados quantitativos consistem de informações demográficas sobre os entrevistados e podem ser coletados no início da sessão.

As seções podem ter um breve aquecimento, em que as pessoas são apresentadas rapidamente, mas devem concentrar a maior parte na discussão em tópicos pré-definidos, que estejam em questão para a confecção do produto. Podem fechar com uma conversa em que o moderador aponta os principais tópicos abordados e algumas conclusões parciais.

As informações coletadas são especialmente valiosas quando o projeto está adiantado e há poucas opções a escolher para o produto final – esses encontros permitem a coleta de grande quantidade de informações em um período de tempo relativamente curto. Mas se forem realizados no início do projeto, a visão conservadora de alguns usuários usuários, ou a visão “daquilo que já existe” pode limitar o processo criativo do produto.

Além disso, exigem que o moderador tenha boas qualidades para obter dados importantes, e equilibre a participação das pessoas, de modo que uma ou outra não se sobressaia demais e influencie as opiniões das outras. Como as demais pesquisas, grupos focais podem ser realizados como parte de um processo iterativo que inclua outros métodos de conhecimento dos usuários.

“Unfocus groups”, ou grupos “disfocais” – Método sugerido pela IDEO, para a criação de ideias inovadoras no início de projetos. Em vez de entrevistar pessoas representativas do público-alvo do produto em projeto, os projetistas reúnem pessoas que gravitam em torno do universo do produto/serviço a ser projetado, mas nem sempre usuários em potencial.

Se o produto a ser criado é um aplicativo para ver o clima em diversos lugares ao mesmo tempo, pode-se chamar usuários que usam estas informações de diversas maneiras, como um jornalista especializado, um meteorologista, um surfista, um pescador, um piloto de aeronave, um paisagista.

A reunião de especialistas, amadores e profissionais, para explorar um assunto sob diversas perspectivas, pode trazer à tona ângulos inusitados e novas potencialidades sobre o produto ou serviço a criar.

As entrevistas podem acontecer no campo, onde o usuário realiza espontaneamente uma ação, ou num ambiente controlado. Podem incluir ações

Entrevistas com usuários de ponta e usuários de borda (extreme users, lead users + common users) – Outro método sugerido pela IDEO, se assemelha ao anterior, só que às entrevistas com especialistas (lead users, usuários de ponta que podem ser pessoas especialistas no assunto em questão + extreme users, usuários com muita ou pouquíssima necessidade do produto, com muita/nenhuma frequência) se soma o contato com pessoas que gravitam nas bordas do universo do produto/serviço a ser projetado.

Para criar um aplicativo que informe o clima em diversos lugares ao mesmo tempo, pode-se chamar também um gari, um motorista de táxi, um engenheiro civil, uma promoter de festas, um grafiteiro, uma ciclista, pessoas que de uma forma ou outra lidam com as condições climáticas em bases regulares nas suas vidas diárias.

Em uma ou mais reuniões, pessoas pouco previsíveis, no limite da curva de distribuição e consumo, contam histórias e trocam ideias sobre como usam determinados produtos ou serviços para lidar com as variações climáticas, como gostariam que fossem, recursos que gostariam de encontrar. O entendimento dessas necessidade gera pistas para soluções que atendam pessoas dentro da curva de distribuição. Ou seja, este modelo procura os limites da normalidade para chegar a seu centro. (1)

Entrevistas baseadas em cenários e “personas” – pede-se a uma pessoa do grupo de projeto para agir como um usuário típico do produto a ser desenvolvido e faz-se perguntas relacionadas a esse produto.

Narrativas de histórias – Usuários representativos do público-alvo são estimulados a contar situações específicas em que tiveram que fazer uma determinada ação ou interagiram com um produto ou serviço. Perguntas como “Você se lembra a primeira vez que comprou um produto pela internet? Como foi?” ou “Em que situações você prefere usar um tablet em vez de um computador?”, ou “Você já tentou usar o celular de um conhecido e não conseguiu? Como foi?”, ou “O que você gosta em um canal como este?”, podem levar o entrevistado a falar espontaneamente, na medida que se sente no controle dos fatos e da condução do assunto.

Algumas perguntas podem, ao contrário, levar o entrevistado a ter dificuldade de responder, como “O que você faria se tivesse que tirar um produto do carrinho de compras?” Perguntas como estas não são produtivas, porque as respostas nem sempre refletem ações concretas, e caso estejam distanciadas da realidade imediata, podem não ser estimadas corretamente. Assim, é melhor perguntar “Você já teve que tirar um produto de um carrinho de compras? O que fez?” Ou então, “Quantas vezes você se exercitou esta semana?”, em vez de “Com que frequência você faz exercícios?”

Pesquisa contextual (“contextual inquiring”) – Pessoas são inquiridas no momento em que realizam uma atividade – quando estão comprando mercadorias em uma loja, visitando um museu, esperando em uma fila de atendimento. As perguntas podem levar a conversas informais, em ambientes não controlados, que facilitam a compreensão de valores, da linguagem, da afetividade, das histórias pessoais.

Entrevistas dirigidas, com pessoas representativas do público-alvo para avaliar suas necessidades e suas ações com mais profundidade. As conversas podem ser mais ou menos formais, em ambiente controlado ou em campo, e geram mais dados qualitativos do que quantitativos (embora dados quantitativos possam ser coletados no início da conversa). Em encontros mais informais, os projetistas fazem com antecedência uma pequena lista de perguntas, mas evitam questionários rigorosos. Discussões não estruturadas podem fazer com que os usuários descrevam mais espontaneamente suas preferências.

Pode-se entrevistar usuários para decidir entre duas versões do layout final de um site, por exemplo.

As entrevistas permitem a coleta de informações personalizadas, e com mais flexibilidade que nos grupos ficais. O usuário tende a ficar mais a vontade para dar sua opinião quando está sozinho com o entrevistador. Este deve ser habilidade para obter respostas necessárias à criação do produto em questão. Por exemplo, um silêncio depois de uma pergunta permite que o interlocutor tenha tempo para articular sua resposta, para que lembre casos e histórias que nem sempre sabe se vale a pena contar.

No final, é preciso registrar os resultados das conversas por escrito, vídeo ou áudio, incluindo informações relevantes e dados que influenciem os depoimentos, como idade, gênero, experiência, hora do dia, clima.

Entrevistas são úteis quando finalizam o processo de coleta de informações sobre os usuários. Na etapa final de coleta de requisitos, permitem o esclarecimento de questões críticas sobre problemas pontuais que dificultam o avanço do projeto.

Conversas dirigidas por telefone, via e-mail ou formulários online – O procedimento telefônico tem vantagem sobre o e-mail pois alcança mais diretamente as pessoas. No entanto, podem aparecer resistências, pois esta prática está associada a táticas pouco populares de telemarketing e vendas.

Questionários curtos e objetivos têm mais chances de ser respondidos, independentemente do canal utilizado para as entrevistas.

Conversas dirigidas com profissionais que entram em contato direto com o público-alvo, por diversos canais de comunicação (sistemas de CRM, help-desk, equipe de suporte, e vendas, atendimento, marketing direto, e-mail, chat) – Pode-se pedir a estes profissionais para descrever clientes típicos, suas características, suas demandas.

O consultor Daniel Lafreniere aproxima essas conversas das pesquisas com usuários de ponta descritas acima. Ele cita o exemplo de entrevistas de 30 minutos com profissionais do call-center, para o desenho de um site de comércio. As perguntas são simples e procuram extrair o máximo de informação possível, como:

Qual é o fator disparador da maioria das ligações? Um problema, um anúncio, a indicação de alguém, um evento, notícia na mídia, aniversário, primeiro emprego, mudança de casa?

Qual o motivo da ligação?

Quais são as preocupações das pessoas? Há alguma compreensão equivocada sobre os produtos ou serviços?

Que palavras e expressões as pessoas usam para expressar suas necessidades? (1)

Conversas dirigidas por especialistas na área de atividade do site/aplicativo – Se a mídia digital se dirige a economistas interessados em gestão de patrimônios, por exemplo, conversas com especialistas no assunto não só ajudam a entender o público como a ter uma visão geral de seus interesses.

Uma estratégia usada para destilar o aprendizado a partir das pesquisas de usuários é a criação de personas, modelos de usuários estruturados para representar as principais situações encontradas no mundo real. Estes modelos ajudam os designers a criar histórias e a estabelecer ligações com as situações de uso dos produtos que estão criando.

Na análise dos dados, na combinação entre frequência e semelhanças, começa-se a ver a afinidade entre as respostas, para a verificação de padrões. A descoberta desses padrões pode levar à realização de novas entrevistas, mais detalhadas e focadas no desdobramento dessas questões.

Depois que todo trabalho de campo está completo, as dimensões críticas são avaliadas e relacionadas entre si. Pode ser até necessário eliminar algumas, caso fiquem muito próximas de outras. Assim, “usuários acostumados a compras online” podem se confundir com “usuários especialistas”, e levar à eliminação de uma das categorias.

As pesquisas com entrevistas ajudam na descoberta de funcionalidades possíveis, ou necessárias, de histórias de uso possíveis, de motivos que levam os usuários a agir de determinada maneira, ou a entrar em contradição nas entrevistas, ou a procurar agradar o entrevistador.

Diferentes empresas têm diferentes abordagens para pesquisas de usuários. A Apple tem um modelo arrojado, em que a intuição sobre as necessidades e desejos dos usuários é componente importante para a tomada de decisões. A Google tem um modelo de aperfeiçoamento permanente e gradual, baseado em testes e consultas exaustivos, para avaliar as reações dos usuários, e criar/aperfeiçoar produtos a partir daí.

As duas estratégias têm suas vantagens, e são adequadas ao público, à cultura organizacional e aos recursos disponíveis. Os dois estilos refletem de modos diferentes a importância de direcionar recursos para considerar as demandas dos usuários na tomada de decisões.

O modelo de pesquisa deve não só se adaptar ao produto pesquisado, como ao contexto de uso e ao ambiente interno em que é realizada.

(Texto publicado em 23.10.2011. Atualizado em 9.1.2017)

 

Referências

Field visits and user interviews: 7 frequently asked questions, David Travis (Userfocus, acesso em 3.2.2015)

What to do in need finding – PDF (Institute of Design at Stanford, acesso em 12.7.2014)

Are you making the most of your company’s ‘software layer’?, Aaron Shapiro (MacKinsey Quarterly, acesso em 11.4.2012)

Livro: Designing for interaction – Creating innovative applications and devices, Dan Saffer. Berkeley: New Riders, 2010

Livro: Designing for the social web, de Joshua Porter. Berkeley, CA: New Riders, 2008

When to use which user experience research methods (Alertbox, acesso em 6.11.2011)

Field studies done right: Fast and observational (Alertbox, acesso em 6.11.2011)

1) Extreme user research (Boxes and arrows, acesso em 24.12.2006)

Mais sobre o assunto (links externos)

What to expect when you’re not expecting it, Steve Portigal (User Interface Engeneering, acesso em 11.4.2012

Interviewing users (Alertbox, acesso em 26.7.2010)

When to use which user experience research methods (Alertbox, acesso em 21.11.2008)

User story mapping and use to user interface at Better Software’s Agile Practices Conference (Boxes and arrows, acesso em 24.12.2006)