Andrea Resmini e Luca Rosati propõem, em seu livro Pervasive Information Architecture, designing cross-channel user-experiences, uma base metodológica para o projeto da arquitetura da informação de produtos em diversos canais, digitais, físicos e/ou híbridos. Cinco heurísticas resumem os requisitos extraídos da experiência prática dos dois autores e servem de referência para a avaliação das soluções criadas em projetos de canais cruzados. Apresentamos a seguir um breve resumo destas recomendações, com um viés prático para facilitar sua aplicação.

As heurísticas em um projeto de canais cruzados indicam os caminhos e possibilidades a serem aprofundados durante sua realização, com impacto direto nos contextos envolvidos e na experiência dos usuários. Embora mantenham foco na identidade do conjunto, procuram não criar diretrizes rígidas nem fixas, e se mantêm flexíveis às situações que acontecem ao longo do desenvolvimento e da produção destes ambientes.

As cinco heurísticas propostas são:

Sentido de localização (place-making)

Refere-se à redução da desorientação (geográfica, informacional, entre canais), através da construção de um sentido de lugar para os usuários a cada ponto de contato, facilitando a identificação e a orientação em cada ambiente.

Na medida em que os conjuntos de diferentes mídias em contextos definidos compõem sistemas com ecologia própria, os artefatos e pontos de contato entre eles passam a fazer parte de ambientes de relacionamento, em que os usuários estabelecem vínculos com o espaço físico e mediático para se deslocar, localizar, comunicar, agir. O sentido de localização facilita o deslocamento entre canais e dentro de cada canal.

 O Museu Imperial de Petrópolis mostra o rico acervo de peças no belo palácio onde está instalado. Para o acompanhamento da visita, oferece um guia digital de áudio, com explicações detalhadas em diversas línguas sobre as peças mais importantes. No website, disponibiliza diversas publicações acadêmicas realizadas sobre a coleção de objetos. No Guia de Visitação, publicado online, disponibiliza um roteiro da visita que pode ser baixado e impresso se necessário. Quando os visitantes da exposição procuram uma peça no website, verificam que a estrutura da exposição presencial e do site se aproximam, o que facilita a localização da peça. Também no Guia encontram referências que facilitam a localização dos textos sobre as peças. Tanto o visitante no ambiente quanto as informações em relação ao visitante se posicionam de maneira relacionada.

O sentido de localização pode ser sinalizado através de códigos de cores aplicados aos elementos em suas incidências nos diversos canais (verde para hortigranjeiros, azul para material de limpeza, em supermercados e seus websites, por exemplo), uso de famílias de fontes para os títulos e o mesmo tratamento gráfico para elementos afins, proximidade entre elementos em cada seção, aplicação da mesma nomenclatura para elementos e seções entre canais, aproximação do layout presencial e dos layouts nos diversos canais.

Consistência

Aderência dos canais às propostas, contextos e pessoas aos quais se destinam (consistência interna), com a manutenção da mesma lógica entre os diferentes canais, ambientes e períodos de tempo a que se aplica (consistência externa).

As fronteiras entre os ambientes físicos, midiáticos e híbridos se tornam cada vez mais difusas, o que faz com que os trânsitos entre os suportes se estabeleçam de maneira natural e encadeada, tanto sob o ponto de vista semântico e simbólico, quanto técnico.

 Os criadores de Bruxa de Blair, um ano antes de lançarem o filme, criaram um website em que apresentavam a bruxa de Burkittsville e contavam como a equipe de produção de um filme que estava investigando o mito havia desaparecido. O site (http://www.blairwitch.com/), embora hoje anuncie o filme, na época (1999) apenas relatava os acontecimentos de maneira como se realmente tivessem acontecido, reforçados por uma documentação detalhada sobre o mito ao longo de séculos, e que servia de pano de fundo para a ação. O principal fator de tensão da história, a dúvida sobre a veracidade dos eventos, se mantém consistente nos dois canais.

Depois do lançamento do filme, um documentário de televisão manteve a tensão do filme através do lançamento de uma história em quadrinhos lançada pela Omni Press, que relata os eventos de outra pessoa que teria entrado em contato com a bruxa ao passear nos bosques próximos a Burkittsville. O conjunto de peças não só se articula em relação à história como no modo como cada uma é lançada, sempre estimulando a dúvida entre a ficção e a realidade.

Em uma companhia com equipes responsáveis pela atualização do conteúdo no Facebook, Twitter, website, mídias impressas, por exemplo, há muitas chances de acabarem atuando independentemente uns dos outros e até competindo por verbas e reconhecimento. Pontos de contato  unificados facilitam a gestão e a avaliação (objetivos, indicadores) consistente das ações, de modo que criem uma ressonância coerente seja em aplicativos. A consistência pode ser evidenciada com o uso das mesmas abordagens editoriais (de tratamento do conteúdo e das narrativas), estratégia de marketing entre canais, identidades visuais (logotipos, ícones, cores, fontes) relacionadas, sistemas uniformes de nomenclatura e classificação.

Resiliência

Capacidade da estrutura de conteúdo de fazer com que cada usuário se adapte a seu modelo (comunicacional, comercial, técnico) e, no sentido inverso, desta se adaptar às necessidades e estratégias de uso de cada usuário.

Na medida em que o diálogo se torna mais intenso entre os universos midiáticos e os universos presenciais, torna-se cada vez mais turva a distinção entre autores e usuários. Por isto, não só os sistemas de símbolos precisam ser inteligíveis, como também abertos e adaptáveis às atualizações e recriações dos seus agentes.

► Empresas de comunicação como a BBC (TV + websites) controem vocabulários controlados, para facilitar o gerenciamento de grandes volumes de informação. A abordagem de gestão procura valorizar tanto as soluções criadas de alto para baixo (internamente) como as soluções criadas de baixo para cima (a partir das demandas do público). A partir do monitoramento das respostas e entradas de informação dos usuários, bem como das estatísticas de acesso, podem aperfeiçoar em bases permanentes a resiliência de todo o ambiente informacional. As tags sugeridas e legitimadas pelos usuários geram folksonomias que influenciam os vocabulários criados pelas equipes internas. A influência externa abre um importante canal de comunicação e interlocução e aumenta a interlocução com o público.

A resiliência pode ser valorizada com a adaptação dos dispositivos móveis à localização dos usuários (por código QR ou RFID), ofertas de produtos relacionados (que não se classifiquem diretamente nas taxonomias verticais) em lojas presenciais e online, provimento de espaço para opiniões e resenhas nas mídias interativas, envio de newsletter customizada para os interesses de cada grupo de usuários, presença em mídias sociais, com espaço para comentários e troca de ideias.

Redução

Gerenciamento de grandes conjuntos de informações de modo a minimizar o estresse e a frustração dos usuários diante de possibilidades de opções cada vez maiores entre fontes de conteúdo, serviços e bens.

Em situações que incluem diversas mídias, serviços, produtos, publicações, jogos, as informações disponíveis, embora redundantes em muitos casos, consideram as circunstâncias de uso e facilitam o acesso a canais complementares.

 Quando se acessa a versão móvel do site da companhia aérea Gol, pode-se receber um código ao final do check-in. E com este código imprimir o cartão de embarque nos totens de autoatendimento dos aeroportos. O site móvel disponibiliza dois serviços para os viajantes, reduzindo os serviços oferecidos pelo website.

Na versão móvel do site da Southwest Airlines, pode-se, além de check-in, fazer reservas de passagens, alugar carros, verificar o status dos vôos, ver ofertas de tarifas promocionais. No site web da empresa, a abordagem é um pouco menos focada em serviços, o público pode acessar informações mais detalhadas sobre a empresa e novidades sobre viagens em geral.

Nos dois casos, a redução de informações das versões móveis em relação às versões web atende às estratégias comerciais das empresas.

A redução é feita por meio do olhar dos conjuntos de informações e de cada canal, para tirar partido das características de cada um e de suas circunstâncias de uso. Pode-se, pelo acompanhamento dos hábitos da maioria dos usuários, destacar apenas as opções mais valorizadas, deixando as demais em segundo plano, especialmente nas interfaces de dispositivos móveis. Neste caso, o tratamento das informações é misto, com a abordagem tradicional, hierarquizada+personalização.

Correlação

Sugestão de conexões entre unidades de informação, serviços e bens, de maneira a ajudar os usuários a alcançar seus objetivos ou mostrar necessidades latentes.

Pesquisa da Signal (EUA) com 200 profissionais de marketing, publicada em março de 2015, mostra que grande quantidade de marcas não tinha uma visão unificada de seus clientes, embora 90% reconhecessem sua importância e 62% declarassem que dados fragmentados para avaliações e métricas levavam ao entendimento incompleto dos percursos dos clientes. A pesquisa também mostrou que uma visão unificada do cliente em tempo real era difícil de alcançar (55% não tinham capacidade de coletar e conectar dados entre canais).

Apenas 33% dos marketeiros integravam dados móveis e 50% o faziam a partir de sistemas de CRM. 42% coletavam dados de impressões de anúncios e 23% coletavam dados de pontos de venda.

Em ambientes dinâmicos, as relações horizontais entre elementos predominam sobre as relações verticais (hierarquizadas), levando em conta as características de cada ponto de contato.

 Na franquia Matrix, os irmãos Wachowski incluíram pistas entre os três filmes que só faziam sentido para quem jogava um jogo online (MMOG – Massive Multiplayer Online Game) lançado com o terceiro filme. Histórias paralelas sobre os personagens só aconteciam nos curtas de animação, enquanto histórias em quadrinhos explicavam detalhes do primeiro filme. Todas as conexões foram amplamente discutidas em fórums de discussão na internet e alguns registrados nos sites de cada produto. Os links entre elementos não estavam apenas na interface de cada ponto de contato, mas também na construção dramática das histórias: os espectadores-agentes se sentiam impelidos a procurar os elos perdidos de cada peça.

As correlações podem ser feitas através de links e ofertas relacionadas (onde são mais necessárias), mapas que mostrem a estrutura de cada um (que também ajudam a reforçar o sentido de localização), caminhos adaptados à estrutura editorial ou narrativa de cada ambiente, navegação contextualizada, navegação social, tags colaborativas.

A criação de uma visão panorâmica do uso de produtos, serviços, histórias, em diversos pontos de contato, é parte integrante do processo de construção de uma perspectiva integrada entre canais. A compreensão dos clientes e seu envolvimento direto tem efeito direto sobre a audiência e sobre o retorno financeiro.

A aplicação de cada uma dessas heurísticas ganha maior ou menor importância de acordo com as características de cada projeto e seus objetivos. Alguns aspectos que ajudam a reforçar algumas delas, como identidade visual e afinidade com uma narrativa aglutinadora, podem se superpor, mas ajudam a reforçá-las.

(Publicado em 10.6.2012. Atualizado em 3.4.2015)

Referências

Un-sucking the touchpoint, Uri Bar-Joseph (User Interface Engeneering, acesso em 19.11.2014)

Want to measure social ROI? Start with these 5 cross-channel metrics, Uri Bar-Joseph (Search Engine Watch, acesso em 6.8.2014)

Livro: Pervasive information architecture, de Andrea Resmini and Luca Rosati. Burlington, MA: Morgan Kaufman, 2011

Livro: Cultura da convergência, de Henry Jenkins. São Paulo: Aleph Editora, 2008

Changing approaches to metadata at bbc.co.uk: From chaos to control and then letting go again (asis&t, acesso em 13.6.2012)

What is cross-channel (Andrea Resmini, blog, acesso em 11.3.2012)

The transmedia challenge: Co-creation, Donald Norman (JND.org, acesso em 11.3.2012)

Designing for bridge experiences, Joel Grossman (UXmatters, acesso em 18.3.2012)