O contexto tecnológico das interfaces digitais afeta diretamente a experiência de uso e essa participação não deve ser escamoteada pela ideia de que constitui apenas um instrumental para a execução de tarefas. As tecnologias fazem parte do processo de invenção.

Os aspectos tecnológicos de um canal digital garantem aos usuários as condições para realizar atividades precisas, como:

Acessar telas e ferramentas de maneira simples e segura.

Inserir dados e receber em troca uma resposta esperada (participar de uma comunidade, assinar um informativo, buscar informações, comprar um produto, entrar na área de acesso restrito).

Fazer tarefas em tempo real (jogar jogos; criar editar e arquivar textos, planilhas, apresentações, áudios, fotos, filmes; publicar conteúdo; conversar com outras pessoas em modo texto, áudio ou vídeo; fazer investimentos e pagamentos).

Atividades como essas dependem da capacidade de processamento de tarefas de servidores web, da sua velocidade de resposta, das suas condições de atualização de informações, qualidades invisíveis que muitas vezes só aparecem para os usuários, quando falham. Se isto acontece, não só a experiência do usuário é alterada como a atividade mental decorrente da sua interlocução com a interface.

Também a usabilidade e a acessibilidade da interface são aspectos técnicos que, relacionados à edição do conteúdo, à formatação do layout e à estruturação de informações, condicionam o uso das tecnologias digitais e a atividade mental de cada usuário às tarefas que realiza online.

A seleção e a aplicação destes recursos depende fundamentalmente dos objetivos do site, de como estão conceituados em diversas perspectivas.

Exemplo: Um site que tenha como objetivos vender tênis esportivos para atletas profissionais e amadores pode permitir que os consumidores personalizem as peças, as cores dos detalhes, os solados, incluam adereços e detalhes.

Os recursos tecnológicos do site podem incluir na interface desde a seleção desses detalhes, até o fechamento do pedido de compra e seu encadeamento na cadeia de logística até sua entrega no endereço indicado.

A seleção e a configuração das tecnologias necessárias à realização dos objetivos desse site afetam diretamente os usuários e são afetados por eles(as). Em outras palavras, os objetivos desse site, a partir de diversos pontos de vista (comercial, institucional, de marketing, cultural, financeiro) condicionam suas características técnicas. E também são influenciados por estes recursos.

Ações e subjetividade

No entanto, mesmo que o um site possua todos os recursos técnicos necessários à realização dos seus objetivos, pode não ser bem aceito pelo público. Porque esses aspectos também precisam garantir aos usuários as condições de realizar atividades de caráter subjetivo, como:

Criar novos sentidos para as ideias encadeadas de diversas páginas – cada deslocamento cria um conteúdo dinâmico, composto pelo conjunto de informações que acessa.

Escolher sua interlocuções no ambiente online – o usuário decide como e onde vai inserir seus dados e informações, para realizar trocas dinâmicas com o sistema de informações e com outras pessoas.

Estabelecer relacionamentos entre informações, pessoas e ambientes (programas, funcionalidades), bem como gerar resposta a estes estímulos.

Descobrir usos personalizados para programas online.

Estabelecer redes de significados entre os dados pessoais armazenados online (no Flickr, Del.icio.us, YouTube em comunidades e blogs em páginas personalizadas como as do Facebook.

Se as condições operacionais para realizar essas tarefas estão garantidas, o alcance dessas ações é estabelecido e controlado pelos usuários. São influenciadas por condicionantes comerciais, institucionais editoriais; mas também pela gratuitade, pelo humor, desejo, motivação, temperamento, afetividade, inteligência de cada pessoa que usa a interface.

Embora direcionadas pelas soluções conceituais e estruturais do projeto do site, as ações dos usuários são controladas em última instância, pela sua afetividade, seu desejo, suas necessidades.

Como um ambiente estruturado de linguagem, a interface web é resultado da articulação de camadas que vão da programação até o conteúdo e só se efetiva se os usuários a completam com sua capacidade de preencher vazios, inventar caminhos e ações, recriar.

Cabe aos projetistas da interface digital propor e objetivar técnica e conceitualmente “narrativas” que, como filmes, contos, obras de arte, sinalizam os caminhos para o encontro profundo com o espectador. E, a partir dessas indicações, criar condições de uso com as quais o usuário se sinta à vontade para expressar suas diversas formas de agir.

Por exemplo, a interface do Google está conceituada e operacionalizada de modo que possamos:

■ Expressar o nosso ponto de vista sobre a informação que procuramos (na escolha de palavras-chave e expressões) e influenciar o resultado da busca.

Selecionar os itens da lista de resultados para que suas informações se encadeiem entre si.

Entender os critérios da ferramenta para ver até onde selecionar os itens da lista de resultados.

Aprender com os resultados para realizar novas buscas.

Algumas dessas ações são realizadas tão rapidamente que embora compostas pela combinação de processos de cognição e associação complexos, diríamos ser geradas por instinto, intuição, sensibilidade.

Se pensamos as tecnologias digitais não apenas como meios de
viabilizar os processos operacionais de aistes e aplicativos, mas como fatores que influenciam diretamente a ação subjetiva de cada um dos seus usuários, passamos a entendê-las também como parte dos processos de invenção, criação, que potencializam.

E a articular seu papel dentro de uma perspectiva humanística, para a criação de soluções funcionais para pessoas reais em dinâmicas sociais e pessoais caóticas, imprevisíveis e complexas.

A manipulação e o envolvimento diretos são duas faces da mesma moeda – uma tem foco na qualidade da ação, a outra na resposta subjetiva. (Brenda Laurel).

Criação e uso são, na verdade, dimensões complementares da mesma operação de conexão, com seus efeitos de reinterpretação e construção de novos significados. (Pierre Lévy).

Referências

Computers as theatre, de Brenda Laurel. Addison-Wesley Publishing Company, Inc., 1992

As tecnologias da inteligência, o futuro do pensamento na era da informática, de Pierre Lévy. Rio de Janeiro: Ed 34, 1995