Em meio ao público amplo de produtos analógicos e digitais, algumas pessoas se destacam por se identificar tanto com alguns deles que podem se dispor a ajudar no seu aperfeiçoamento, sem que se encaixem na categoria de “público fidelizado”. Podem simplesmente se satisfazer em estabelecer relações humanas com seus fornecedores e contribuir para melhorar a experiência do usuário dos produtos que usam ou consomem regularmente.

Fornecedores pessoais e profissionais são escolhidos por diversos motivos. Fornecedores pessoais, aqueles com que lidamos no dia a dia da esfera doméstica, costumam ser escolhidos por comodidade de acesso, preço, qualidade dos produtos e serviços, qualidade do atendimento, indicação de conhecidos. A afinidade pessoal também tem bastante importância, podemos escolher um fornecedor mais simpático e um pouco mais caro em detrimento de outro menos simpático e mais barato (e até mais indicado para o nosso caso), embora muitas variações sejam possíveis nessas situações.

Os fornecedores profissionais estão mais sujeitos a escolhas por preço, qualidade, aspectos técnicos, embora as afinidades interpessoais estejam sempre presentes e tenham mais importância do que muitos estão dispostos a reconhecer.

Mas dentro da enorme oferta de produtos e serviços de mesma natureza, tendemos a escolher os que se destacam entre um conjunto de aspectos que nos satisfazem em determinado momento. Se há perto de casa duas lojas que vendem vegetais e laticínios, por que tendemos ir sempre à mesma loja, mesmo quando sabemos que a concorrente está oferecendo boas ofertas dos produtos que vamos comprar? Talvez na loja preferida haja outros produtos, ou os produtos são melhores, ou o ambiente é mais agradável e funcional. Talvez porque simplesmente nos sentimos melhor ali. Talvez porque sabemos onde estão os produtos que precisamos. E ali voltamos a comprar em seguida.

Estabelecemos laços e interlocuções que nem sempre ficam explícitas, mas existem. “O queijo ralado podia estar localizado perto das massas, por que está perto dos pães?” “Esta música de fundo está me dando sono”, “Devia ter mais variedade de cervejas artesanais”, “Por que trocaram as frutas secas de lugar?”. Os antigos donos das mercearias ficavam atentos às reações verbais e não verbais de seus clientes, conheciam grande parte deles, conheciam as preferências de um e outro, escutavam os comentários e atendiam pedidos. Adaptavam-se a toda hora, viam quando caía ou subia a demanda de um produto. Seguiam e deixavam de seguir as ondas de demanda.

Hoje, a avaliação da demanda tem muitos métodos automatizados de avaliar as flutuações, e diversos modos de avaliar a satisfação dos clientes. Pesquisas qualitativas e quantitativas fazem parte do universo da maioria das atividades comerciais. Clientes recebem questionários online para avaliar a qualidade de serviços e produtos, assinalam estrelas a seus produtos preferidos, fazem recomendações nas redes sociais, têm suas mensagens públicas rastreadas pelas palavras e expressões usadas. As empresas avaliam os resultados comerciais testando ofertas, criando cadastros para envio de ofertas aos clientes, oferecendo cupons, fazendo análises qualitativas e quantitativas dos resultados, oferecendo vantagens para clientes regulares, realizando pesquisas com grupos focais, analisando dados de acessos dos canais online e de sistemas dedicados.

Modelos humanos, visão humanista

Mas as empresas podem também incorporar às suas ferramentas de análise o acompanhamento de clientes/usuários que se destacam pela frequência espontânea aos seus pontos de venda e aos seus pontos de contato, sejam websites, aplicativos, canais de mídias sociais, pontos de acesso presenciais, quando possível. A identificação desses usuários decorre de um processo de garimpagem, em que cada usuário de destaque é localizado, identificado e suas atividades são rastreadas. Esses clientes/usuários não são exatamente clientes fidelizados, porque a fidelização é resultado de políticas direcionadas, que envolvem grupos de clientes mais sensíveis a ações de divulgação, promoção, publicidade, ofertas. São clientes que, pelo seu comportamento, mostram afinidade com a empresa, seus produtos, sua marca. São os clientes da antiga mercearia que faziam várias compras por semana, que reclamavam da qualidade de um lote bacalhau, que não aceitavam quando os preços do tomate subiam muito e rápido, que cumprimentavam o dono da loja de longe ao passar, clientes cujos filhos eram conhecidos dos atendentes. Esses clientes não são componentes de estatísticas, não são personas tipificadas, não são dados, são pessoas de verdade, com suas subjetividades únicas, afetos, modelos mentais, preferências, escolhas.

São clientes cuja afinidade pode transformá-los em parceiros, o que implica num grande potencial de colaboração e de criação de oportunidades para os lados envolvidos.

Parceiro cliente

O parceiro cliente (aqui apenas generalizado no masculino) não é uma entidade criada pelo departamento de marketing para rotular os clientes que fazem muitas compras, utilizam muitos serviços e devem ser recompensados por isso. Não é bem um cliente com alta milhagem, pode ser, mas não obrigatoriamente.

O parceiro cliente compra ou usa os serviços de uma empresa porque em seu ambiente presencial ou virtual se sente em casa, ali sente afinidade pessoal. Se identifica com os layouts, as mensagens, adere a algumas ofertas e promoções, de acordo com suas necessidades, e eventualmente procura o serviço de atendimento ou suporte para fazer uma reclamação ou sugestão de melhoria dos serviços.

Esse cliente pode ser de grande ajuda para opinar sobre o lançamento de produtos, ou sobre a mudança no design de telas, sobre ajustes em funcionalidades de importância estratégica. Porque opina a partir do seu interesse pessoal, e não em função do que acha que esperam ouvir dele.

Se está disponível, fica satisfeito em opinar e poder melhorar os produtos e serviços que utiliza regularmente. Claro que seu grau de envolvimento e ajuda podem ser avaliados de acordo com o tempo que isso demanda e o grau de aprofundamento necessário. Com bom senso, pode ser recompensado no seu uso dos produtos ou diretamente pelo tempo e atenção dedicados.

Mas o parceiro cliente, de modo geral, quer ser tratado como o antigo freguês da mercearia, com um cumprimento personalizado, uma diferenciação no tratamento, uma oferta no aniversário, uma oferta conveniente para um familiar, um crédito para compra futura. Quer se sentir especial, mais para pessoas de verdade do que para sistemas de CRM.

E por isso, deve ser identificado por sistemas, mas receber tratamento de pessoas, equipes divididas entre as que aproveitam as informações que fornece e as que geram vantagens relacionadas a essas informações.

O parceiro cliente não deve se sentir pressionado a desempenhar um papel, a comprar ou consumir mais devido a uma ansiedade gerada em relação ao retorno que pode prover. Como o cliente da mercearia, pode passar e trocar um dedo de prosa com a equipe, eventualmente testar uma coisa ou outra.

Esse tipo de relacionamento com o cliente implica num foco diferenciado da empresa nas pessoas, tanto as que colaboram internamente para criar, divulgar e aperfeiçoar produtos quanto colaboradores externos que ajudam a consolidá-los e adicionar-lhes valor.

Essa parceria resgata a centralidade do humano ao centro das relações comerciais, procurando efetivamente mudar para melhor a vida das pessoas nelas diretamente envolvidas nessas experiências.