Antes de definir o escopo de um projeto, é preciso entrar no problema a resolver e no contexto específico de cada cliente. Pode-se para isto realizar conversas individuais ou preferencialmente em grupo, ou pedir que clientes, stakeholders do projeto e pessoas ligadas ao produto (equipe de atendimento, de atualização do conteúdo, clientes, vendas, tele-marketing, usuários finais) conversem sobre suas expectativas.
As entrevistas podem ser informais, descontraídas, no caso de empresas de cultura horizontal, em que a interlocução orienta a obtenção de informações, sem formato ou ordem pré-determinados. No caso de ambientes funcionais mais formais, pode-se aplicar um questionário por escrito (considerando a perda dos comentários laterais e da linguagem corporal), ou por contato pessoal, seguindo um roteiro mais ou menos pré-traçado sobre como o usuário deve realizar tarefas ou procurar informações sobre o produto em projeto. Em ambos os casos, as informações coletadas devem ser estruturadas, para fornecer material para reflexões e decisões sobre o produto.
Essas conversas são diferentes daquelas direcionadas para a elaboração de personas, com a perspectiva de ações ou tarefas relacionadas a uma interface em projeto. Têm foco na criação de consenso sobre o produto, suas características e expectativas.
Registros das conversas
■ Estudar detalhadamente o problema a que o projeto em questão se propõe a resolver, o que permite não só o aprofundamento de questões críticas como a troca de ideias sobre sua solução. Procurar não estabelecer a priori conclusões sobre os assuntos a abordar, mas, pelo contrário, examinar com profundidade suas potencialidades dialógicas.
O estudo prévio do problema permite o estabelecimento de filtros e referenciais importantes para a análise das conversas.
■ Elaborar um questionário ou um roteiro a seguir (dependendo do modelo de interlocução) com os principais pontos a abordar e principais problemas potencialmente importantes verificados a partir dos estudos iniciais. As perguntas não têm respostas certas ou erradas, são formuladas para que o entrevistado articule seu pensamento.
■ Providenciar um ambiente calmo, de preferência sem a presença de celulares e outras distrações, como a chegada ou passagem de colegas, ajuda a criar proximidade entre as pessoas, bem como a melhorar a concentrações nos problemas em questão.
■ Gravar ou não as conversas, de acordo com a disponibilidade dos aplicadores de analisar o conteúdo coletado. E também de acordo com o clima da empresa. Se o clima interno é mais horizontal e informal, a gravação pode afetar a espontaneidade dos interlocutores e atrapalhar o resultado da conversa. Caso seja um ambiente mais formal, o gravador pode combinar com o modo como as pessoas se relacionam e valorizar a interlocução.
■ Desde o início e durante toda a conversa, o entrevistador deve deixar claro que não é o dono da verdade, e sim um interlocutor, que não sabe antecipadamente as respostas do que pergunta, que evita dar sua opinião, fazer julgamentos de valor e induzir as respostas. Mantém-se em estado de aprendizado, escuta ativa, curiosa, sinalizando que está prestando atenção ao que a outra pessoa diz, avançando em questões críticas, seguindo pistas, explorando sugestões e desenvolvendo soluções potenciais. O entrevistado conduz a conversa.
■ Caso faça anotações, estas devem ficar visíveis ao interlocutor, de modo que este possa corrigir ou comentar uma ou outra nota, “você não entendeu direito, o cliente prioritário é aquele que já compra nossos produtos”. Anotações com caneta preta de ponta grossa em post-its grandes, que possam ser espalhados pela mesa no decorrer da conversa, ajudam a manter transparentes as percepções sobre os assuntos tratados.
A repetição das respostas pelo entrevistador (“então você acha que este serviço poderia funcionar melhor se …”) , como se pedisse sua confirmação, estimula o interlocutor a reafirmar ou explicar novamente o que falou.
■ Eventualmente as entrevistas podem levantar informações com forte componente emocional. Perguntas como “Que fatores contribuíram para o projeto anterior não chegar aos objetivos desejados?” podem gerar respostas defensivas ou recusas a respondê-las.
Uma aproximação com perguntas genéricas, que levantem menos pontos de atrito, pode servir de base para a gradual conquista da confiança do entrevistado e o aprofundamento em detalhes de articulação mais difícil.
■ Se o interlocutor citar sem detalhes um caso que pode ser melhor descrito, pode-se pedir que desenvolva o assunto, elabore e finalize seu pensamento, mesmo que conte uma longa história já contada por outra pessoa. Às vezes, a diferença entre versões pode levantar questões importantes.
■ Perguntas não convenientemente respondidas ou que gerem respostas pouco claras podem ser submetidas várias vezes na mesma entrevista, rearticuladas, para permitir a avaliação posterior das diferenças entre as respostas. As respostas fora do assunto em questão devem ser desestimuladas ou redirecionadas.
■ É necessário, depois das conversas, registrar e analisar os depoimentos, para facilitar a argumentação, especialmente para a realização de mudanças de processos vigentes. É preciso analisá-los, editá-los, e conversar sobre o resultado com os colaboradores envolvidos no planejamento.
As conversas evidenciam que o entrevistador não tem respostas pré-articuladas para as questões que levanta, independentemente do seu conhecimento e da sua experiência no assunto. Mas este não precisa levar em conta todas as informações que coleta: uma aguda perspectiva crítica lhe permite avaliar, selecionar, abordar informações sob diferentes pontos de vista e estabelecer prioridades a serem examinadas e desenvolvidas.
(Atualizado em 9.7.17)