Roland Barthes propõe em seu texto “Análise estrutural da narrativa” algumas classes e subclasses para as unidades das narrativas textuais. Necessárias à construção de um sistema acessível à análise das ações dos usuários composto de unidades e regras verificáveis, examinamos aqui como as classes que ele propõe podem ser aplicadas às narrativas criadas pelos usuários de interfaces e plataformas digitais .

Barthes divide as unidades funcionais das narrativas em duas grandes classes, distribucionais e integrativas, que identificam os elementos que as compõem. Verifica-se aqui que a divisão é aplicável à classificação das narrativas interativas.

Classes distribucionais (funções)

As unidades distribucionais, que constituem as funções das narrativas propriamente ditas, se relacionam diretamente às operações dos personagens ou às ações realizadas no seu contexto. Correspondem diretamente às funcionalidades do fazer, das ações que se desenrolam durante as narrativas.

Em narrativas textuais ou audiovisuais, são funções, ou unidades distribucionais, a compra de um revólver, o toque de um telefone no meio da noite, uma proposta de casamento, o olhar duvidoso de um personagem quando outro narra uma façanha. São ações que se revelam indispensáveis para o encadeamento e o desfecho de uma história.

Transpondo o conceito para ambientes online, podemos pensar que as funções se relacionam diretamente às ações dos usuários entre as telas e as funcionalidades das interfaces online (da web ou de dispositivos móveis).

A seleção e o clique em um link, o preenchimento de um formulário, o acionamento de um comando em um game, a escrita de um post em um blog, são exemplos de funções, ou unidades distribucionais que interferem estruturalmente no rumo e no desfecho das narrativas interativas das quais fazem parte.

As funções remetem a atos complementares e consequentes, que interferirão em etapas posteriores a seu acontecimento embora possam também ser ações que encerrem as narrativas.

Quando um consumidor faz uma pergunta ao atendimento de um site de comércio sobre as condições de pagamento de um produto, a resposta pode levá-lo a comprar ou não o produto. Tanto a pergunta quanto a resposta correspondem a funções da narrativa relacionada à compra do produto.

Classes gerais das unidades das narrativas interativas
O uso de uma agenda online implica em uma série de ações interligadas como “ver os compromissos de hoje”, “assinalar novos compromissos futuros”, “ver se há compromissos passados não realizados”. A rigor, processos como estes, registrados em diagramas de fluxos durante os projetos web e implementados como funcionalidades no programa, detalham etapas com início, meio e final.

As funções remetem à construção progressiva de conjuntos de ações a partir de unidades interdependentes. Esta construção se relaciona diretamente à funcionalidade utilizada das interfaces online e a seu potencial de uso e indiretamente, se relaciona às ações de construção da subjetividade de cada usuário.

Classes integrativas (índices)

As unidades integrativas (ou índices) se associam a conceitos mais ou menos difusos que ajudam a caracterizar a identidade dos personagens, a atmosfera de um ambiente, o contexto, “a atmosfera” de uma informação.

Em narrativas textuais ou audiovisuais, os índices correspondem às descrições das características físicas de um personagem, de uma paisagem, de uma casa, um objeto. Correspondem também à descrição psicológica ou ao detalhamento de informações culturais dos elementos.

As descrições dos elementos e contextos podem se superpor às ações. Se um personagem acende um cigarro, esse gesto pode sinalizar uma ação de reflexão, observação, e pode também ser um índice do temperamento do personagem (tenso, introspectivo?).

Em ambientes online, os índices se relacionam ao layout das interfaces, às características do contexto tecnológico, da arquitetura da informação. São esses elementos indiciais, perceptíveis, que estabelecem as condições necessárias à caracterização (e à realização) das ações (funções).

Estão relacionados tanto à funcionalidade das interfaces quanto à matriz conceitual que os permeia. Os índices não correspondem à funcionalidade do fazer, mas à funcionalidade do ser (ou parecer ser).

Classes das narrativas online
A proximidade física entre alguns botões em uma tela indica que estão tematicamente ligados uns aos outros.
Classes das narrativas
As cores de um site podem sinalizar se seu público tem perfil popular ou não, ou o tipo de produto que comercializa (como a Coca-Cola, por exemplo).

O layout de um formulário ou de um link para contato estabelece o diferencial entre os modelos comerciais de diversos sites. Se é mais coloquial, remete a um site popular. Se é mais formal, procura estabelecer relacionamentos mais distanciados.

O site da Christian Dior tem índices (uso de cores, tipologias, composição, o modo de vender não só produtos mas um estilo de vida) que sinalizam sua diferença em relação ao da Americanas.com (focado na realização de tarefas específicas de localizar e comprar produtos).

Os índices não existem isoladamente, só fazem sentido quando entendidos sob o ponto de vista das ações a eles relacionadas. Não fazem sentido, por exemplo, as características em si da interface do Facebook se não consideramos as ações nela realizadas ou realizáveis.

Os índices remetem à construção de significados pelos usuários, atravessam as ações por eles realizadas em diversos momentos. Estabelecem relações verticais com as funções, muitas vezes abstratas, metafóricas.

Quando se faz uma analogia entre a navegação por um site de comércio e o passeio presencial por um shopping center, os componentes da interface que conduzem esta remissão, componentes metafóricos, são os elementos indiciais que afetam diretamente os elementos funcionais desses contextos.

Se adotamos este modelo de classificação genérica sugerido por Roland Barthes, podemos ver que há narrativas interativas fortemente funcionais (de usuários que realizam tarefas, como as compras online) ou mais indiciais (como a navegação por sites de museus ou sites de moda), que refletem interesses ou gostos específicos por um assunto. E, possivelmente na maioria, há narrativas que oscilam entre as duas classes.

As redes sociais têm sua interface condicionada pela funcionalidade de publicar conteúdo e consultar o conteúdo publicado pelos amigos e conhecidos. Sites de notícias têm a funcionalidade prioritariamente relacionada à consulta do conteúdo publicado. Já sites como o da loja Crate and Barrel mostras as funcionalidades de achar e comprar produtos misturadas aos índices relacionados à associação dos produtos a uma determinada estética contemporânea.

Classes das narrativas

Considerando que dificilmente um usuário percorre apenas um site ou faz apenas uma tarefa durante um acesso, as unidades das narrativas interativas se encadeiam entre funções e índices, baseadas em objetivos múltiplos e complexos.

A identificação dos elementos funcionais e indiciais das narrativas interativas pode ajudar seu registro em projetos web e evidenciar modelos de construção de experiências subjetivas de uso nesses contextos.

A construção de modelos com a perspectiva analítica das tipologias dos elementos procura não o controle das narrativas dos usuários, mas, ao modo das construções das narrativas da literatura, da música, da arte, uma sintaxe para a escrita de enredos e experiências em que cada um possa reinventar-se através de ações e percepções criativas e criadoras, individuais e compartilhadas.

(Texto publicado em 1.11.2009. Atualizado em 29.11.2009)

Referências

1) Introduction to the structural analysis of narratives. In Image, Music, Text, de Roland Barthes. p. 79. New York: Hill and Wang, 1977

Dwell time diagram, Jakub Linowski, sobre imagem e nota de Nik Lazell(Wireframesl, 27.11.2009, acesso em 29.11.2009)

Experience themes, de Cindy Chastain (Boxes and Arrows, 6.10.2009, acesso em 27.10.2009)