As narrativas construídas pelos usuários em seus percursos em canais digitais incluem o acesso a sites, o uso de aplicativos, a participação em programas, jogos, redes sociais, compras e cadastros, o compartilhamento de informações e objetos sociais. Essas ações compõem narrativas encadeadas pelo contato e pela experiência de uso, com unidades significativas ou semânticas que examinamos com o auxílio do modelo proposto por Roland Barthes. (1)

Consideramos aqui os elementos constitutivos das narrativas não como unidades fisicamente próximas e somáveis umas às outras, mas como integrantes de sistemas de significação que não fazem sentido se não tiverem lugar na ação dos usuários e nos discursos internos que estes constroem.

O texto de Barthes é adequado ao exame dessas unidades na medida em que propõe a análise das narrativas de maneira ampla, sendo essas caracterizadas pela “linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura desordenada de todas estas substâncias”.

Apesar da amplitude do escopo, o texto escrito em 1976, não cita explicitamente a narrativa composta pelo conjunto de ações de usuários de interfaces digitais. Procuramos aqui estabelecer relações entre os elementos descritos e esses tipos de narrativas.

As unidades linguísticas – suportes

Segundo Barthes, as unidades das narrativas se estabelecem de acordo com a funcionalidade dessas unidades. São portanto elementos funcionais, que trazem em si condições para o encadeamento e o desfecho da narrativa.

Sob o ponto de vista da articulação da língua, as narrativas são compostas por unidades linguísticas necessárias à sua construção.

Em narrativas orais, textuais ou audiovisuais, um objeto que aparece casualmente, um bilhete, uma festa, é uma unidade que interfere no desfecho da trama. Nesses casos, as unidades linguísticas são compostas por expressões, orações, períodos. No caso das narrativas audiovisuais, são compostas pela composição de enquadramentos, elementos dramáticos, sucessões de planos, volumes dos elementos e relações espaciais entre eles, luzes e cores, temporalidade das cenas.

Um texto em uma página web, um formulário de compras, um game, podem ser unidades de narrativas interativas que interferem em seu desfecho (o percurso, as ações, a experiência do usuário). E são mais ou menos dependentes das unidades linguísticas que as compõem – imagens, botões, links, vídeos, áudios, animações.

Páginas (ou telas) como esta que você lê são unidades linguísticas da narrativa composta por uma navegação/ experiência de leitura neste momento. Se este texto interfere verticalmente no encadeamento de ações e decisões que você está examinando em relação a um assunto, este texto compõe uma unidade da narrativa construída pelas ações, intenções e motivações que conduzem sua leitura.

As páginas iniciais de redes sociais, nas quais acontecem ou podem acontecer ações como o post de mensagens, atualização de perfil, arquivo de fotos, são potenciais unidades linguísticas, que incluem em si outras unidades, ligadas às funcionalidades e à publicação de conteúdo nessas interfaces. Quando os usuários realizam ações, as unidades se transformam em unidades das suas narrativas – de acordo com a importância que têm para cada um na construção de seus significados.

As unidades funcionais – ações signicativas

Sob o ponto de vista funcional, as narrativas são compostas por unidades de conteúdo independentes das unidades linguísticas, unidades funcionais que se estabelecem a partir do valor conotado dos seus elementos para o usuário-narrador-personagem. Essas unidades funcionais expressam a construção de significados (interiormente necessários à construção da própria narrativa) por aqueles que as constroem.

Se um personagem de uma história está procurando por um homem gordo e careca, com cerca de um metro e meio de altura, essa ação indica que o personagem não conhece o homem procurado e também que esse tem características que serão úteis para a construção da sua participação na história.

No caso das narrativas digitais aqui consideradas, as unidades funcionais são construídas pela combinação dos elementos dispostos nas interfaces com sua percepção por cada usuário (e pessoas com quem se relaciona), para a realização de seus objetivos.

Se uma pessoa está procurando um modelo de câmera digital, as unidades funcionais da sua busca online se relacionam às suas ações para obter informações sobre a câmera. Se ela digita o nome da câmera em um campo de busca e depois aciona o botão “Procurar”, as ações e interfaces relacionadas compõem unidades da sua narrativa. Quando ela lê os resultados da busca e seleciona um dos links, essas ações e seus suportes técnicos são unidades (ou camadas) adicionais da narrativa.

Mas e se no meio da busca ela muda de ideia e resolve acessar seu programa de webmail para checar suas mensagens? Nesse caso ela interrompe a narrativa anterior (que pode ser retomada mais adiante) e começa uma nova. Se uma das mensagens da caixa postal traz informações sobre a câmera digital procurada, as narrativas convergem.

Pode-se perguntar: Se consideramos o intervalo cronológico das duas narrativas como um fator agregador, podemos considerar duas narrativas realizadas durante um acesso como uma única narrativa? O intervalo de tempo contínuo do acesso é um fator estrutural que permite unificá-las?

Se não há um encadeamento temático entre as duas narrativas, se não há uma relação de “solidariedade” funcional entre elas, a construção de uma sintaxe comum, ou a unidade de conteúdo estruturalmente coesa entre as narrativas tende a se interromper. De qualquer modo, no contínuo temporal daquela pessoa, as duas narrativas podem se relacionar ao menos por sua continuidade e subjetividade, mesmo que impliquem em processos de construção de sentido diferentes.

As unidades linguísticas e funcionais são registráveis e compartilháveis (como em um chat, como em fórums de discussão), mas os registros em si não resumem as narrativas construídas a partir do uso. A construção das narrativas online não estabelece relacionamentos horizontais, compostos pelo somatório mecânico das suas unidades e dos seus registros.

As unidades procuram encadeamentos verticais, que conduzem à superação dos suportes linguísticos e das próprias ações em si. Procuram o entendimento e a transformação de quem as articula – ou de quem as realiza, para a construção de novos significados e novas realizações. No caso da experiência de uso de interfaces online, as unidades das narrativas são unidades de construção semântica ativa a partir da ação e da experiência de uso das interfaces.

(Texto publicado em 1.11.2009. Atualizado em 23.5.2010)

Referências

1) Introduction to the structural analysis of narratives. In Image, Music, Text, de Roland Barthes. p. 79. New York: Hill and Wang, 1977.

Use of narrative in interactive design, de Nancy Broden, Marisa Gallagher e Jonathan Woytek (Boxes and Arrows, acesso em 9.8.2009, não mais disponível no endereço acessado

Livro: A forma do filme, de Sergei Eisenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

Experience themes, de Cindy Chastain (Boxes and Arrows, 6.10.2009, acesso em 27.10.2009)