O tempo de uma narrativa interativa mediatizada por dispositivos e programas online embora muitas vezes se sobreponha ao tempo real (os usuários-personagens-autores estão vivendo as suas próprias vidas), é um tempo conceitual, definido pelos usuários em função do discurso que constroem a partir das informações com as quais entram em contato e das ações que realizam.
Quando leio um texto online que me interessa, clico em um link para ver as Referências, faço uma anotação usando outro programa, copio um parágrafo do texto, colo-o junto à anotação e arquivo o texto no meu disco rígido, construo uma pequena história. Esta história recompõe em parte os fluxos do meu próprio pensamento.
Em relação ao conjunto temporal dessa historieta, cada ação é uma unidade abstrata. E a sucessão de eventos, as mudanças de sentido, de direção e intensidade, fazem com que os objetos relacionados às minhas ações mudem de estado, passem de determinados pontos de vista a outros, mudem, no tempo, suas estruturas, conceitos. Me mudem. Um princípio fechado (uma sintaxe interior) rege todas as minhas ações e resultados, fazendo do conjunto um continuum mais ou menos coerente.
Esta matriz lógica engloba todas as ações realizadas, independentemente dos espaços cronológicos que as separam. “O tempo não existe, ou ao menos só existe funcionalmente como elemento de um sistema semiótico”, afirma Roland Barthes. (1) A afirmativa de Barthes se baseia em Lévi-Strauss: “A ordem de sucessão cronológica resolve-se em uma estrutura matricial atemporal”. Segundo esta estrutura, é preciso descronologizar a sucessão de fatos das narrativas para delas extrair a matriz lógica.
Esta matriz atemporal das narrativas, e aqui nos concentramos especialmente nas narrativas online, aproxima sua representação à de um quadro cubista em que diversos fatos e pontos de vista se superpõem simultaneamente para compor um conjunto integrado de informações.
O tempo nas narrativas interativas pode ser considerado um “suporte” necessário ao encadeamento dos fatos que as compõem e que interfere em seu encadeamento, na medida em que se impõe como fator necessário à construção do discurso de cada um de seus autores – cada usuário.
Marcos recebe, no celular, uma mensagem de André, pelo Facebook, avisando que enviou-lhe um arquivo com a programação de um festival de música. Horas depois, Marcos verifica seus emails no escritório e vê a mensagem e o arquivo. Ele os ignora naquele momento, mas pensa que pode vê-los na sexta-feira, quando vai decidir o que fazer no fim de semana.
Na sexta-feira, lembra do arquivo, mas resolve acompanhar um grupo de amigos a uma festa em vez de ir ao cinema. Dias depois, apaga a mensagem com o arquivo.
Por que Marcos apagou o arquivo sem lê-lo? Estaria Marcos aborrecido com André? Teria André apenas enviado um arquivo que Marcos havia pedido?
As aões de Marcos e André se dão dentro de um universo temporal definido. O tempo desta narrativa faz parte de uma sequência com início, meio e fim. Começa em uma hora, continua horas depois, avança até sexta-feira e se encerra alguns dias depois.
Esta temporalidade está diretamente relacionada às ações e à sua articulação. O tempo é aqui um elemento que atua na decisão de Marcos e nas suas ações posteriores. Mas não para revelar os sentidos das ações.
Entremeado de pensamentos, imagens, ações, ao modo das narrativas audiovisuais e literárias, o tempo nas mídias online concentra verticalmente o pensamento e as ações para a construção de discurso. A compreensão deste tempo semiótico em relação às ações realizadas e aos elementos contextuais que as influenciam nos permite isolá-lo do tempo real e delimitar as condições de continuidade específicas a partir das quais as narrativas interativas se estabelecem como tal.
(Texto publicado em 13.12.2009. Atualizado em 18.12.2009)
Referências
1) Introduction to the structural analysis of narratives. In Image, Music, Text, de Roland Barthes. p. 79. New York: Hill and Wang, 1977.
→ Livro: A forma do filme, de Sergei Eisenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990
→ Livro: O sentido do filme, de Sergei Eisenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002
→ Filme: O homem entre as coisas (Man among things), de Tom Tykwer
→ Filme: O ataque do tempo contra o tempo presente (Der Angriff der Gegenwart auf die übrige Zeit), de Alexander Kluge