Personas são descrições simplificadas de representantes do público-alvo de um produto que ajudam a entender seu uso e suas necessidades, para criar consenso na equipe de projeto e com seus stakeholders. São especialmente úteis no início do projeto, quando não há ainda uma visão de consenso na equipe sobre as funcionalidades a desenvolver e conteúdo a publicar.

Segundo Jennifer Leigh Brown, “o objetivo de uma persona é capturar os objetivos, as necessidades e os interesses de um usuário para lhe proporcionar algo valioso e relevante. Uma persona é a voz do usuário […]”. (1)

O uso ou teste das personas combina as motivações pragmáticas dos usuários (o que fazem) aos seus perfis emocionais (o que sentem), para que os projetistas também “sintam” sua existência e se projetem no modo como “usam” a interface.

A equipe de projeto pode selecionar algumas personas mais importantes, para que cada integrante as “incorpore”. Assim, nas reuniões de projeto cada um pode passar a defender o ponto de vista do “seu” usuário como sendo o dele(a) mesmo(a).

-> A equipe de projeto da Sonos, empresa que produz dispositivos de áudio digital, durante a definição do público-alvo de alguns produtos, criou personas com características bem diferentes umas das outras. Durante a elaboração do produto, os projetistas foram orientados a não emitir opiniões pessoais sobre as soluções que criavam, mas a opinar de acordo com as personas. Não diziam “eu acho”, mas “o (nome de seu personagem) acha”, o que deu uma dimensão concreta ao projeto e criou consenso na equipe de projeto.

Os protótipos dos produtos foram testados nas casas de usuários selecionados e os projetistas observaram seu uso. Nesse momento, aproximaram a experiência real das ficções criadas no projeto, evidenciando suas diferenças.

A indicação do tipo de conteúdo sobre cada persona pode orientar os editores e os arquitetos da informação sobre suas prioridades editoriais e estruturais.

A H2O+ empresa produtora de cosméticos, usou 3 personas para acompanhar os hábitos de seus clientes e adaptou o conteúdo do site a cada uma:

Julie, que viajava com frequência e quando se hospedava em hotéis usava os xampus, loções, condicionadores de cabelo e sabões da H2O+ e depois procurava comprá-los no varejo. O desenvolvimento deste personagem fez com que a empresa percebesse a importância dos cuidados com os cabelos para as clientes e passasse a publicar uma seção sobre o assunto em seu website.

Soo, uma jovem chinesa (a H2O é popular na China e em Hong Kong) que comprava cosméticos caros para tratamento da pele e, às vezes, produtos de banho. Era uma estudante colegial, com hábitos de consumo bem diferentes dos das norte-americanas. Para atendê-la, a empresa passou a publicar conteúdo específico em seu website e a produzir produtos para pessoas com seu perfil.

Cathy, que descobriu a H2O+ em uma loja de varejo, era cliente há mais de 10 anos e eventualmente visitava o website para saber mais sobre os produtos. Comprava produtos de banho e higiene corporal e às vezes para tratamento da pele. Como procurava sempre os mesmos produtos, a empresa procurou estimulá-la (ou o segmento de público do qual ela fazia parte) a experimentar novos produtos por meio de vendas cruzadas no site especialmente para tratamento da pele. (Marketing Sherpa, 19.3.2008)

Em projetos simples, personas com uma foto personalizada e um resumo podem ficar dispostas lado a lado, em uma planilha de apresentação do conceito geral do projeto, para facilitar a leitura e a comparação.

Em projetos mais complexos, personas são descritas detalhadamente e apresentadas em fichas ou telas individuais, nas quais à foto de cada uma se somam descrições detalhadas, dispostas de modo a facilitar a leitura e a visualização.

Também uma planilha que cruza personas e diferentes tipos de conteúdo permite a visualização das situações em que todas as necessidades são atendidas.

A criação coletiva de personas, em que cada integrante da equipe de projeto de produto digital contribui para a descrição dos usuários, ajuda a sua efetiva adoção. Mas isto nem sempre é possível. Às vezes, uma pessoa ou um grupo restrito de projetistas precisa elaborá-las com base em pesquisas sobre o público e apresentá-las para homologação pelo restante da equipe.

O número não precisa ser grande, entre uma e dez narrativas, pois a criação de características únicas que as identifiquem vai ficando cada vez mais difícil à medida que o número aumenta.

Para garantir sua adesão e uso, deve-se apresentar as personas pessoalmente. As descrições devem se adequam ao perfil e à cultura do público interno, para que este as legitime como representantes dos usuários no projeto. A familiaridade entre eles permite que os “usem” como referências nos cenários do produto, escolham perfis de usuários para testes, testem suas reações nas interfaces, vejam como se comportam.

Por meio dos testes simulados com personas a equipe de um projeto digital pode examinar conceitualmente o produto e estabelecer os perfis a priorizar. Pode também consolidar, na cultura interna, um repositório de conhecimento que aproxima os projetistas dos usuários e facilita a criação de consenso.

O registro escrito das situações de uso e sua discussão ampla ajudam a estabelecer uma visão estruturada do produto final em contexto e o aprofundamento de padrões de uso, relacionando-os aos objetivos do negócio.

A perspectiva do público que as personas provêm mantém a visão da equipe em bases mais concretas que as estruturadas sobre relatórios e pesquisas genéricas. Mesmo ficcionais, atenuam o discurso comercial e funcional do produto, facilitando o estabelecimento de relações humanas, entre pessoas – que são, afinal, o objetivo das interações intermediadas ou não por interfaces digitais, online e/ou offline. Usadas juntamente com cenários, criam imagens contextualizadas de uso do produto em projeto.

Questões éticas

Nem sempre o uso de personas é feito de maneira ética e respeitosa, podendo incluir pressupostos relacionados a questões preconceituosas, ou omitir em si informações ao público a quem são direcionadas. Nas campanhas eleitorais dos últimos anos, têm sido utilizadas para a elaboração de perfis falsos em redes sociais e para a criação de redes de opinião. O artigo “Manipulando o debate público no meio digital”, de Pablo Ortellado, publicado na Folha de São Paulo, ressalta:

Além dos bots, o documento [documento divulgado pela equipe de segurança do Facebook] menciona as “fazendas de clicks” que vendem curtidas para inflar artificialmente a adesão às páginas de políticos ou de causas políticas, um mercado clandestino que está bem consolidado e que também parece ser utilizado por páginas políticas brasileiras, algumas das quais cresceram com velocidade suspeita.
Mas o que o relatório do Facebook aponta como mais preocupante é o uso de “personas”, perfis falsos sofisticados, diretamente operados por humanos, que estabelecem vínculos com pessoas reais, participam de debates em longos períodos de tempo e têm toda a aparência de uma conta genuína. Essas personas, quando agem de forma coordenada e estratégica, podem se transformar em “amplificadores falsos”, simulando uma onda de opinião espontânea que depois ganha a adesão de pessoas reais.

A divulgação com manipulação de personas que escondem sua origem e objetivos ao público abre espaço para diminuir a credulidade desses canais, bem como para a divulgação de mensagens falsas e ideias desrespeitosas em relação a diversos segmentos da população.

(Atualizado em 19.11.2017)

 

Referências

1) One persona to rule them all, Jennifer Leigh Brown (UX Booth, acesso em 5.10.2016)

Kim Goodwin – Silo-busting, scenario-driven design, Sean Carmichael (User Interface Engeneering, acesso em 5.9.2014)

Livro: Communicating Design: Developing website documentation for design and planning, de Dan M. Brown. Berkeley: New Riders, 2007

Bring your personas to life! (Boxes and Arrows, 4.12.2006, não mais disponível no endereço acessado)

Livro: Storytelling for user experience – crafting stories for better design, de Whitney Quesenbery e Kevin Brooks. New York: Rosenfeld Media, 2010

Customization of UIs and products (Alertbox, acesso em 18.8.2009)

Personas e cenários (Luiz Agner, acesso em 25.6.2008)

Personas e cenários para antecipar o futuro (Usabilidoido, Frederick van Amstel, acesso em 25.6.2008)