Há diversos modos estruturados de conhecer o público de produtos digitais. Pode-se usar um ou vários combinados, de acordo com os objetivos de cada projeto. De modo geral, os métodos incluem observações, entrevistas e atividades. A realização de atividades permite que os usuários e outros stakeholders se envolvam com o produto tanto quanto os designers e desenvolvedores.

Em fases conceituais do projeto, até depois do lançamento, muitas ideias emergem de sessões coletivas de atividades em que diversas pessoas criam variações de um produto a partir de diferentes pontos de vista.

Em fases adiantadas do desenvolvimento, estudos participativos, com enfoque mais qualitativo, ajudam a prover retorno sobre a otimização do design e as funcionalidades da interface, reduzem riscos e aperfeiçoam a usabilidade e o layout.

As pesquisas de atitudes procuram entender, medir e informar mudanças de estados nas crenças nos usuários.

Pesquisas ativas incluem técnicas como:

Descrição e análise da jornada dos clientes – A partir de personas e de pesquisas quantitativas e qualitativas, cria-se uma narrativa de cada fase de interação de clientes representativos do público-alvo com um produto (ou conjunto de produtos). Analisa-se sequencialmente os pontos de contato e verifica-se onde o processo e seus segmentos podem ser aperfeiçoados ou alterados.

Histórias e diagramas gerados a partir de jornadas de clientes ajudam as equipes de projeto a estabelecer consenso sobre pontos de contato críticos e a oferecer ao cliente uma experiência (de uso, compra, leitura, interlocução) focada no que realmente ele/a valorize.

As jornadas devem envolver tarefas completas dos clientes (examinar, comprar, trocar ou devolver um produto, contratar um serviço, realizar uma tarefa), e não apenas os pontos de contato críticos. Muitas vezes constituem rotas complexas, entre vários canais, como websites, mídias sociais, aplicativos, call centers, malas diretas, lojas presenciais e online, serviço de suporte ao cliente. E como muitos desses pontos de interação são gerenciados por diferentes funções do negócio (vendas, marketing, suporte), um vendedor presencial pode não ter ideia do que aconteceu com o cliente em uma transação online, por exemplo. Ou o formulário que um cliente preencheu online não está disponível para um vendedor que atende este cliente presencialmente. Como o cliente não tem acesso às estruturas internas, espera que os envolvidos ajam e falem de maneira consistente em todos os pontos de contato.

Compreender as jornadas ajuda a unificar os processos internos: os funcionários deixam de pensar apenas nas suas funções e tarefas e passam a pensar na interação completa dos clientes de uma ponto a outro, entre canais.

O redesenho do processo de abertura de contas em um grande banco eliminou 15 etapas (incluindo parte da documentação até então solicitada), introduziu um sistema de identificação instantânea (via passaporte e software de reconhecimento facial) e estabeleceu um auto-serviço bancário online que passou a permitir a abertura da conta a qualquer hora e em qualquer lugar. A iniciativa aumentou o autoatendimento de zero a mais de um terço do total das transações, com taxas de conversão 50% maiores e redução no tempo de abertura de contas para dez minutos, em comparação com o anterior, que durava entre dois e seis dias. (2)

Desenho de esboços da interface ou da experiência de uso – Em ambiente com material de desenho (folhas de papel de diversos tamanho, lápis de cor, canetas coloridas), usuários desenham individualmente ou em grupo sugestões de layouts para a interface ou para o fluxo de uso de um produto (como o envio de e-mail com arquivo anexado em um celular, por exemplo). Os resultados são avaliados um a um, a partir da exposição dos trabalhos com explicação oral, para que o grupo selecione as melhores soluções e gere uma solução geral de consenso.

Os projetistas devem explicar que o resultado final do produto não obrigatoriamente será igual ao proposto na atividade, mas será levado em consideração.

Agente secreto (undercover agent) – O pesquisador participa discretamente de ambientes sociais como se fosse um dos seus membros, para conhecer a cultura, os modos de interlocução, opiniões, tendências sobre produtos e marcas.

A participação pode ser feita em contextos virtuais como chats, blogs, wikis, comunidades, listas de discussão, ou em ambiente offline, como supermercados, bancos, festas. Quando o projetista de um produto participa de um grupo de discussão “eu detesto (um produto concorrente)”, também aprende muito sobre as expectativas dos membros sobre o produto, o que pode ser incluído, o que deve ser evitado.

A análise dos padrões de interesses e comportamento possibilita a identificação dos principais fatores de influência neste grupos, bem como as características das lideranças e principais formadores de opinião.

Os casos abaixo ilustram como o acompanhamento dos hábitos dos usuários pode levar os projetistas de mídias digitais a tomar decisões sobre a funcionalidade e a abordagem editorial:

No início da década de 2.000, meninos preferiam jogar games, meninas preferiam trocar mensagens instantâneas. (Nielsen Net Ratings, 12/2004)

Uma pesquisa que acompanhou consumidores online de comida mostrou que o aconselhamento sobre o valor nutritivo dos alimentos durante a compra faz com que as pessoas prefiram as opções mais saudáveis. A pesquisa, realizada por pesquisadores australianos, concluiu que informações adicionais sobre alimentos podem ajudar a modificar os hábitos alimentares de pessoas cardíacas ou diabéticas, por exemplo, cuja saúde depende da qualidade dos alimentos ingeridos. (Tool helps online shoppers buy lower-fat food, TechRepublic, 29.9.2006 – o texto completo não está mais disponível)

Testes de usabilidade de produto novo ou pré-existente – Permitem a obtenção de informações sobre os aspectos positivos e os que precisam de revisão. Incluem, por exemplo, estudos de laboratório, estudos etnográficos em campo, acompanhamento dos movimentos dos olhos (eyetracking).

Nos testes, o pesquisador observa diretamente como as pessoas usam a interface e se esta atende as suas necessidades. A análise dos resultados é qualitativa, não matemática.

Na maioria dos casos, as observações não se baseiam no comportamento espontâneo dos usuários, mas nas atitudes tomadas a partir de roteiros pré-definidos, para prover retorno sobre questões específicas, como o redesenho de um conjunto de processos, por exemplo.

Diário pessoal, ou diário de uso continuado – Pessoas representativas do público-alvo mantêm um diário pessoal para determinadas atividades, escrevem suas impressões e pensamentos. Esta prática é usada em estudos longos e minuciosos, eventualmente em diversos locais (para onde seria difícil enviar designers e projetistas), em que se procura testar produtos já existentes. Os participantes, que podem ser equipados com câmeras, documentam atividades cotidianas, como preparar comida, usar um produto, um aparelho.

O diário é atualizado todos os dias, em uma determinada hora, à noite, por exemplo, ou em numa ocasião, como antes de uma refeição. Tem estrutura fácil de usar no contexto do usuário, podendo ser uma folha de papel, um câmera de vídeo, ou um gravador de áudio.

Para um motorista de táxi, por exemplo, um gravador de áudio pode ser mais prático que uma folha de papel.

Os usuários podem também usar o Twitter para registrar atividades em smartphones (com exceção de gravações sonoras ou mensagens de texto) por um período definido. Os tweets funcionam como lembretes, a serem estruturados diariamente por cada um com auxílio de questionários, que detalham o contexto de cada atividade.

Pode ser necessário preparar as pessoas para estes testes, para guardar arquivos ou preencher formulários. E como os hábitos de preenchimento são difíceis de incorporar à rotina diária, pode ser eventualmente preciso lembrá-las de preencher o diário.

Há uma variação dessa prática, o “dia na vida”, ou “day in the life”, usada para o detalhamento de personas, com a equipe de projeto. O moderador mostra fotos ou arquivos como e-mails, anotações, tweets, posts do Facebook, que representam as ações de uma persona durante um dia típico da sua vida. E a partir daí, vai fazendo perguntas para a equipe sobre os hábitos daquela persona. As respostas variam, embora seja possível estabelecer consensos, mas o importante nesse caso é que os participantes se familiarizem com a persona (suas particularidades, suas demandas) e possam se capacitar para tomar decisões em seu lugar. (1)

Experiência monitorada (experience sampling) – Os usuários testados são alertados sobre uma determinada ação em intervalos regulares (o telefone pode ser regulado para dar uma sinal periodicamente) e descrevem sua experiência. As perguntas podem ser desde “Como você está se sentindo agora?” a “Onde você está?”

Estes modelos de testes podem ser úteis para a obtenção de retorno em relação a um grupo grande de pessoas, que seria difícil observar ou entrevistar, sobre questões como a hora do dia em que maioria se sente melhor, ou sobre as distâncias percorridas durante um dia de trabalho, por exemplo.

Card sorting – De maneira simplificada, escreve-se em cartões de papel os itens principais da estrutura de um site. Mistura-se as cartas e entrega-se o conjunto para cada usuário, que é instruído para arrumá-las em agrupamentos. A prática provê informações sobre os modelos mentais dos usuários dentro de um universo de informação, e ajuda a avaliar a melhor estrutura para um site.

A/B testing – Muda-se apenas um elemento do site, deixando os outros constantes, para ver a impressão ou atitude dos usuários. Pode-se assim entender os usuários em um ambiente sem muita interferência do método em si. É usado para escolher entre duas opções de layout, por exemplo.

Uso do canal online pela equipe de projeto (usability audit) – A percepção pessoal dos projetistas é especialmente importante quando que estes se colocam literalmente na pele dos usuários e se envolvem diretamente com a interface. É importante também considerar a observação dos colegas de equipe nestes resultados, pois as pessoas observam a si mesmas a partir de pontos de vista sempre parciais.

Pode-se criar uma lista de aspectos a aperfeiçoar na interface, mas não se pode afirmar com certeza se realmente vão melhorar a experiência do usuário. Este método é um dos menos efetivos, na medida em que exclui a parte mais importante dos testes: o usuário.

Uso do canal online pelos usuários finais, em comunidades participativas – A participação ativa de usuários comprometidos com uma plataforma digital usada regularmente, em estreita ligação com a equipe de projeto, permite o estabelecimento de consensos e um mecanismo de aperfeiçoamento contínuo dinâmico e consensual.

Em 2011, a Etsy criou múltiplas plataformas de testes e pediu para os próprios usuários darem retorno sobre as soluções. No início do 2015, tinha em torno de 50.000 colaboradores ativos.

O processo começou quando os designers viram que vez de enviar um produto de cada vez, como a plataforma oferecia, os usuários precisavam enviar lotes de produtos. Entrevistas com os vendedores e testes com protótipos levaram a mudanças significativas. Os protótipos foram então abertos para acelerar novas mudanças. Desenvolvedores, designers, gerentes de produto passaram a se manter em contato permanente com o público por meio de um fórum.

Um guia de estilo atualizado em tempo real permitiu que os designers dispensassem wireframes e selecionassem segmentos de código pré-definidos. Novos recursos passaram a ser implementados nos protótipos e o retorno dos usuários passou a se consolidar em poucas horas. (ReadWrite, 8.2.15)

Pode-se criar uma lista de aspectos a aperfeiçoar na interface, mas não se pode afirmar com certeza se realmente vão melhorar a experiência do usuário. Este método é um dos menos efetivos, na medida em que excluir a parte mais importante dos testes: o usuário.

Embora muitas práticas de pesquisas de usuários tenham base científica, precisam ser adaptadas aos objetivos de cada projeto, funcionais ou comerciais. Por isto, muitas vezes utiliza-se métodos híbridos, que combinam métodos qualitativos e quantitativos, mais ou menos participativos. Afinal, a questão principal da realização não é o método utilizado, mas o valor das informações que geram para ajudar projetistas a conhecer o público, decidir entre diversas soluções possíveis e relativizar a importância de seu julgamento pessoal.

(Publicado em 23.10.2011. Atualizado em 20.12.2017)

 

Referências

2) Mastering the digital advantage in transforming customer experience, Oliver Ehrlich, Harald Fanderl, e Christian Habrich (McKinsey, acesso em 20.12.2017)

1) Personas for Design, Development (Cowan+, acesso em 10.1.2017)

Livro: Mobile Usabilitys, Jakob Nielsen e Raluca Budiu. Berkeley: New Riders, 2013

Livro: Designing for interaction – Creating innovative applications and devices, Dan Saffer. Berkeley: New Riders, 2010

Livro: Observing the user experience – a practicioner guide to user research, Mike Kuniavsky, Andrea Moed e Elizabeth Goodman. Waltham, MA: Morgan Kaufmann Publishers, 2012

Livro: Designing for the social web, Joshua Porter. Berkeley, CA: New Riders, 2008

Livro:Contextual design: Defining customer-centered systems, Hugh Beyer e Karen Holtzblatt. San Francisco, CA: Morgan Kaufmann, 1998

When to use which user experience research methods (Alertbox, acesso em 6.11.2011)

Design thinking for innovation (Ideaconnection, acesso em 23.10.2011)

Recording ethnographic observations (Palojono, acesso em 23.10.2011)

 

Mais sobre o assunto (links externos)

Design for continous experimentation, Dan McKinley (Slideshare, acesso em 9.2.2015)

What J.K. Rowling can teach PPC marketers about reaching ideal prospects, Howie Jacobson (Search Engine Watch, acesso em 5.5.2012)

Starting your user research, Jared Spool (User Interface Engeneering, acesso em 26.4.2012)

Human centered design innovation, Praima Chayutsahaki – PDF (Idemplyoee, acesso em 23.10.2011)

When to use which user experience research methods (Alertbox, acesso em 21.11.2008)

Ferramentas

Project, ferramenta desenvolvida pela empresa Revelation, para a realização de pesquisas qualitativas de usuários e testes conceituais (acesso em 18.12.2011)